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By Ferramentas Blog

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

306- URCÍCIO SANTIAGO

                                            SINCERO AGRADECIMENTO AOS

MÉDICOS E ESTUDANTES DE MEDICINA DE

PORTUGAL PELO INCENTIVO AO

DESENVOLVIMENTO DESTE

BLOG
 
 
UNIVERSIDADE DE COIMBRA, PORTUGAL
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*
AOS AMIGOS DE ANGOLA, GUINÉ
BISSAU E TIMOR LESTE,
NOSSO ABRAÇO
REJA MATRIZ N.S. APARECIDA
LOANDA, ANGOLA
=======================================================
306- URCÍCIO SANTIAGO
UNIVERSIDADE DE HARVARD
ESTADOS UNIDOS
*
Nasceu  em  Salvador, em  5  de  agosto  de 1914, sendo  seus  pais  Miguel Santiago    e  Lourdes Andrade.
Em 1931, ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia, pela qual foi diplomado em 5 de dezembro de 1936. Dentre seus colegas de turma destacamos Flávio Silva,  Jorge Leocádio de Oliveira, Luiz Pedreira Torres, Ophélia  dos Santos Brito, Paulo Durarte Magalhães e Trípoli Francisco Gaudenzi (2).
Iniciou a clínica particular e assumiu atividade profissional na Caixa Econômica Federal e na Viação Férrea Brasileira.
Jornalista e Homem de Letras, foi, de igual modo, notável humanista.
Em 1940, transferiu-se para Castro Alves, para exercer as funções de médico no Posto de Higiene local.
“ Na viagem de vapor e trem para Castro Alves, Urcício arquitetava sonhos sobre suas lutas e vitórias. Desiludido com a desanimadora recepção encontra uma cidade que, ao crepúsculo era tomada por uma nuvem  de mosquitos e, apesar de ser um médico do Serviço Público, não lhe apareceram clientes. A comunidade, apesar de vítima de tantas doenças, não desejava um médico mas um mata-mosquito. Urcício se decide a resolver o problema maior da população, busca informações em Salvador sobre o combate aos mosquitos e, após ler avidamente os livros e folhetos que logo lhe chegaram, em poucos meses livrou a cidade daquela praga e o Posto de Higiene se encheu de doentes” (1).
Despontou, naquele momento, sua inclinação pela Saúde Pública, inclinação que o transformaria em um dos maiores sanitaristas baianos.
Em 1940, freqüentou o Curso Intensivo de Saúde Pública e, no ano seguinte, dois novos cursos, no Rio de Janeiro.
Em 1943, conquistou o diploma de Sanitarista, no Instituto de Manguinhos e, no mesmo ano, ingressou no Curso de Organização e Administração Sanitárias.
Foi nomeado chefe do Serviço de Saúde do Interior, Diretor Geral do Departamento de Saúde e, finalmente, Secretário de Estado de Educação e Saúde.
Seguiu para os Estados Unidos, em 1944, e passou três anos em Boston, realizando um curso de Saúde Pública na Universidade de Harvard, de onde regressou com o título de Mestre em Saúde Pública. Estagiou no Departamento de Saúde Pública de Massachussetts e no Peter Bent Brigham Hospital.
Voltando ao Brasil, foi nomeado Superintendente da Campanha contra Doenças Venérias, cargo que acumulou com o de Chefe do Serviço Médico do Interior.
Regressou aos Estados Unidos, em 1949 e em outras oportunidades, sempre com o objetivo de atualizar conhecimentos.
Foi um dos fundadores da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, da Academia de Medicina da Bahia, do Instituto Brasileiro de Medicina Rural e de outras instituições.
Na Escola Bahiana de Medicina foi Professor de Higiene, coordenador e professor do curso de Saúde Pública. Foi livre-docente de Higiene e Saúde Pública da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco e Professor Titular de Higiene da Universidade Estadual de Feira de Santana.
Faleceu em 22 de julho de 1993.

1. Porto da Cruz, Thomaz Rodrigues - Discurso de Posse. Anais da Academia de Medi
     cina da Bahia, setembro. Salvador, 1993.
2. Tavares Netto, Formados de 1812 a 2008   pela   Faculdade de Medicina da Bahia.
     Salvador, 2008.

APÊNDICE I
EM MEMÓRIA DE OSWALDO CRUZ
OSVALDO CRUZ
*
Urcício Santiago tinha imensa admiração por Osvaldo Cruz. Em sua homenagem transcrevo alguns trechos da vida do grande sanitarista, descritos  pelo mesmo,  pouco antes de sua morte.

*
FAZER A CAMA...

“Osvaldo Cruz é o meu nome. Desde menino fui treinado para o combatente. Filho de D. Amélia Bulhões (nome de solteira) e do médico Dr. Bento Gonçalves Cruz, nasci em 1872 em São Luis do Paaraitinga, ali no Vale do Paraiba, serra da Montiqueira, Estado de São Paulo.
Tenho uma irmã, Amália, a quem todos chamam Sinhazinha. Também eu a chamo assim porque ela é mesmo uma senhorinha. Tive outra irmã, Eugênia que morreu na primeira infância, coitadinha.
Com Papai aprendo e dele apreendo a tenacidade, a dedicação aos doentes, a força de caráter. Mamãe ensina-me a disciplina, a autodisciplina e também as primeiras letras. Aos cinco anos já sei ler e escrever. Mas empurraram-me para a Escola, meus pais acham que é imprescindível a convivência com outros garotos.
A propósito de Escola: um dia Mamãe bate  à porta da sala de aula, entra, pede desculpa à professora por levar o filho para casa, porém havia um assunto inadiável a resolver. Ficaram todos preocupados, alunos e professora, o que era, o que não era? Saberiam depois: eu saíra de casa antes de fazer a cama e isso Mamãe não pode admitir. Quem está do lado da saúde e do saber, desleixo não pode ter... Mamãe foi sempre uma deliciosa durona, saudades que eu tenho dela...

OS MICRO ASSASSINOS

A minha família muda-se para o Rio de Janeiro em 1877. Ali, Mamãe, em anos sucessivos, irá dar à luz mais três filhas: Alice, Hortência e Noemi. Mais três meninas que irão adorar-me...
Papai é agora médico da fábrica Corcovado e na Junta Central de Higiene. E eu entro na Faculdade de Medicina em 1887, tenho apenas 15 anos. No primeiro dia de aulas vejo que Mamãe sorri, tal pai tal filho, o saber contra a ignorância, a doença contra a saúde, a vida contra a morte.
Emília é filha do Comendador José Maria da Fonseca. Foi minha namoradinha de infância. Continua tendo uma queda por mim e eu por ela. Numa tarde de Dezembro de 1891, calor infernal, avista-me na praia do Flamengo, eu absorto, mirando o mar, mirando o longe. Pega no meu braço, sacode a minha cisma.
-- Olá Emilia, menina bonita. Você ai?
Vontade minha é abraçá-la e beijá-la, mas há que manter o decoro. Além do mais vem acompanhada pela mãe, não é de bom tom uma donzela andar sozinha pelas ruas do Rio. Respeitosamente cumprimento a senhora e começo a conversar com a filha. Puxo um assunto que me consome:
--Emília, Você não acha que em 1808, ao decretar a abertura dos nossos portos à toda navegação, D. João VI estava promovendo o desenvolvimento do Brasil ?
--Osvaldo, isso toda a gente sabe, aprendemos na Escola...
--Mas a febre amarela, o vômito negro, está sabotando a intenção régia. Hoje, raro são os navios estrangeiros que demandam os portos brasileiros.
--É  natural... Ninguém quer morrer de peste.
--É isso aí... O Brasil é um vasto hospital, é o que se diz em todo o mundo.
Mando parar uma caleche, convido e arrasto mãe e filha até minha casa. Mamãe e Sinhazinha recebem as duas com beijinhos e abraços. Antes da conversa descambar em frivolidade, puxo Emilia para o meu laboratório. Ainda não acabei o curso de Medicina mas já publiquei dois livros. Trato de mostrá-los a Emília: Um caso de bócio exoftálmico em indivíduo do sexo masculino e Um micróbio das águas putrefatas encontrado nas águas do Rio de Janeiro. Também lhe mostro um microscópio, um instrumento para focar micróbios. Convido-a a espreitar e ela espreita. Vê umas coisinhas a mexer, assusta-se. Vê umas coisinhas a mexer, assusta-se. São micróbios, porém inofensivos. Conto-lhe que os outros, os patogênicos,são aos milhões a cercar a humanidade.
--Patogênicos? É assim que você chama os micro-assassinos?
Diverte-me a terminologia inventada por Emília. Digo-lhe que a minha ambição, no Brasil, é combater e liquidar os micro-assassinos da varíola, tal como Pasteur, em França, liquidou os do carbúnculo e da raiva.Tento explicar-lhe o que é vacina. Não entende. Mas tem que entender, é só encontrar a imagem incisiva:
--Emília: um incêndio, numa floresta, pode ser combatido com o fogo. Você sabe disso, não sabe?
-- Sim, sei, se o vento estiver de feição.
--Então saiba que uma doença pode ser combatida com produtos segregados pelas bactérias da própria doença. A isso é que se chama vacina e, com o nosso saber e o nosso querer, somos nós que sopramos o tal vento de feição. Depois é só vacinar todo o povo para erradicar a doença.
Vacinar todo o povo? Emília duvida, abana a cabeça, cepticismo: no Brasil o povo só acredita no que vê e os micro-assassinos não têm corpo visível...
A intuição feminina acertando na mouche, reconhecerei mais tarde...


A FRAGATA LOMBARDIA

No ano seguinte (1892), concluo o curso de Medicina, tenho apenas 20 anos. A minha tese “A água como veículo de micróbios” é louvada pelos mestres e aprovada com distinção.
Em 1893 caso com a Emília da Fonseca.
Em 1895 a fragata italiana Lombardia fundeia na baia da Guanabara. Os marinheiros descem a terra, 340 apanham a febre amarela. Destes, morrem 144, inclusive o comandante.
O Brasil é um vasto hospital, repete-se em todo o mundo... Mais uma vitória da doença
contra a saúde, e eu continuo sem saber como entrar na luta. Quais são e onde estão as minhas armas?

NO INSTITUTO PASTEUR

Perde-se uma batalha mas nem por isso acaba a guerra. Aspiro especializar-me em microbiologia. Emília carpindo mas em 1896 parto para a França. O meu sogro é um homem rico, dinheiro não faltará para a viagem e a minha estadia na Europa.
Em Paris começo a trabalhar com Ollier e Vilbert, medicina legal. Mas a minha verdadeira paixão é a microbiologia. Em 1897 consigo ser admitido no Instituto Pasteur, dirigido pelo Dr. Émile Roux, descobridor do soro anti-diftérico. Ele e o Dr. Ellie Metchnikoff serão os meus principais orientadores.
Em Laboratório, mil e uma experiências ded combate aos micro-assassinos e, passado um ano, um admirando e respeitando o outro, súbita amizade entre mim e o Dr. Roux. Enveredo pela toxicologia. Polêmica com Hater, sábio alemão, a propósito das qualidades venenosas do rícino. Minha tese é correta, demonstro. O Dr. Roux dá-me um grande abraço.

REFLEXOS (LITERÁRIO E POLÍTICO)

Releio os versos que um dia escrevi nas costas de uma fotografia de Emília:
                                          Tu és minha, eu sou teu,
                                          E ficarás para sempre
Releio, sorrio, pergunto: como foi possível eu escrever uma coisa tão insonsa? Até nas Letras se reflete a Batalha Permanente. Cativa-me a inovação contra a vulgaridade. De Paris envio uma carta a Emília. Opino que As flores do Mal alçam Baudelaire à posição de príncipe dos poetas. Vai ficar surpreendida pois acha que eu só penso em micro-assassinos. Foram eles que, depois de três anos de casados, me roubaram ao seu convívio. Parece-me que estou a ouvi-la: Agora o cientista está interessado em Literatura? Mas que absurdo !
Mas se uma carta surpreende Emília, outra vai deixá-la atordoada: eu, o Dr. Roux e todos os cientistas e técnicos do Instituto Pasteur manifestaram-se publica e indignadamente, contra a conspiração anti-semita que levou o Governo francês a prender e o Tribunal a condenar como espião o capitão Dreyfus, só por ele ser de origem judaica. O pessoal do Instituto Pasteur desce do pedestral da Ciência para juntar as suas vozes ao protesto cívico de Anatole France e Émile Zola. A justiça contra a iniqüidade, mais um dos reflexos da Batalha Permanente. Ao ler a carta dirá Emília: O cientista mordido pelo bichinho da Política? Só me faltava essa... Absurdo, absurdo, absurdo !...

PESTE BUBÔNICA

O  Dr. Roux convida-me a ficar no Instituto Pasteur, insiste. Agradeço o convite mas o Brasil precisa de mim, o meu país não pode estar condenado  a ser, para sempre, um vasto hospital.
Regresso em 1899. Durante a travessia do Atlântico evito o convívio com os outros passageiros, não suporto a ignorância endinheirada.
Desço no Rio. Mal acabo de abraçar e beijar Emília quando me dão a notícia: no porto de Santos deflagrara epidemia de peste bubônica.
O Instituto de Higiene encarrega-me de avaliar a extensão do mal.
Viajo para Santos. Investigo e concluo que um navio, oriundo do Oriente Médio, desembarcara talvez passageiros, de certeza ratos contaminados. Conse quência: a peste alastrara pela cidade.
Centenas de vítimas agonizam pelas ruas. Outras tentam fugir para o interior, espalhando o mal. E se o mesmo navio tocou no Rio de Janeiro, ou um doente para lá fugiu, a peste eclodirá na capital. Já não nos bastava a febre amarela? Agora também a peste bubônica, a muitos chamam de peste negra?
É urgente dispor do soro para combater o flagelo. Mas importá-lo pode implicar demora fatal. Melhor será produzi-lo aqui. É decidido que na fazenda de Manguinhos, nos arredores do Rio, seja instalado o Instituto Soroterápico Nacional. “Não há no país um  técnico competente para dirigi-lo”, é o que dizem os governantes. São incapazes de avaliar a capacidade de um Adolfo Lutz, de um Vital Brazil, de um Emilio Ribas, de um Carlos Chagas (este acabara por trabalhar comigo em Manguinhos). Somos cinco investigadores; sabemos que as doenças tropicais, contrariamente ao que se apregoa, não derivam nem da maresia, nem do clima quente e húmido, mas de micróbios patogênicos transmitidos por alguns animais, tais como insetos e ratos. Porém a ignorância está no poleiro e os governantes escrevem ao Dr. Roux, do Instituto Pasteur. Pedem-lhe  que indique e ceda um dos seus colaboradores para comandar o projeto. O Dr. Roux responde (humor gaulês) que um dos seus técnicos mais qualificados  vive no Rio de Janeiro, chama-se Osvaldo Cruz... Nós, brasileiros, somos assim: o que temos em casa não presta, só o que está lá fora é que é bom... Creio que herdamos esta pecha dos portugueses (e que eles me desculpem por esta observação...).
Convidam-me, aceito e em julho de 1900 eis-me a frente do Instituto de Manguinhos, um pardieiro com um nome pomposo. A mesa de reuniões é uma porta velha assente sobre barricas e as cadeiras são caixotes...
Tenho que formatar e disciplinar equipa. Lembro-me de estar a autopsiar uma cobaia quando irrompe um fogo numa das dependências de Manguinhos. Figueiredo de Vasconcelos, o meu assistente, começa a correr para ir apagar o fogo. Peço-lhe:
-- Por favor, o que nós começamos, nos vamos acabar. Já está lá muita gente para apagar o fogo...
Pouco tempo depois a minha equipa consegue produzir o soro que é logo enviado para Santos. E, a partir de São Paulo, Adolfo Lutz faz o mesmo. Resultado: baixa drasticamente a mortalidade provocada pela peste.
No Rio de Janeiro, como eu previra, a peste também acabou por eclodir. Nos bairros populares ponho vários “homens da corneta”  a comprar ratos mortos a 300 réis a cabeça. O povo acha graça e assim vinga, na cidade, a caça ao rato. Vinga também uma modinha divertida, “rato, rato, rato,por que motivo roeste o meu baú?”. No Rio de Janeiro a aplicação do soro e a caça ao rato liquidaram a peste em três  meses.
Figueiredo de Vasconcelos, a quem eu, metaforicamente, puxara as orelhas, dirá assim:
--Foram as suas qualidades morais que o fizeram vencer! Só uma envergadura especial como a sua poderia dar cabo da tarefa em tais condições. Tudo teve de fazer, desde o preparo do material à parte técnica, dando-nos um exemplo admirável de tenacidade e esforço. Foi a sua energia manifestada entre sorrisos, foi a sua exigência pedindo habilmente por favor, foram  as sua qualidades de trabalhador infatigável, que fizeram dele o triunfador inesquecível. Não mandava apenas; trabalhava, ultrapassando a todos e a tudo com seu grande amor à ciência.

DE PARDIEIRO A PALÁCIO

Num  pardieiro é que se produzem os medicamentos que irão defender a saúde dos brasileiros? Não aparo o descalabro, os governantes estão equivocados a meu respeito.
Sobram verbas da Saúde Pública. É quanto basta para que, em Manguinhos, eu mande construir um edifício que realmente mereça o nome de Instituto Soroterápico Nacional, quatro andares e dois torreões. Exteriormente, o meu Instituto é um palácio em estilo mourisco, trago da França o gosto pela art nouveau. Mas lá dentro há tudo o que é indispensável para a pesquisa científica: relógio elétrico central que transmite a mesma hora para todas as dependências, balanças de precisão, aquecimento para as estufas de secagem de vidros, aparelhos para registrarem a temperatura de cada estufa, água destilada por correntes de ar comprimido, etc. etc.
As obras provocaram comentários soezes na imprensa e interpelações corrosivas no Parlamento. O Ministro da Justiça tenta suspender as obras.
-- Senhor Ministro,, um Instituto Soroterápico tem que ter instalações apropriadas dignas. Estou decidido a levantar o edifício. Se quer bloquear as obras, dispense os meus serviços.
Não dispensa.

O CZAR DOS MOSQUITOS AO ATAQUE

Em 15 de novembro de 1902 Rodrigues Alves é eleito Presidente da República. Em dezembro toma posse. Promove a revolução urbana do Rio de Janeiro. Rasga grandes avenidas no litoral (zona sul) e no interior (zona norte) e, ao mesmo tempo, trata de alargar as ruas do centro da cidade. Chácaras e fazendas são desapropriadas e cortadas e cortadas por vias públicas. Casas velhas, tugúrios e quiosques imundos são demolidos. Interesses privados são assim atingidos e começa a levantar-se um coro de protestos. É quando Rodrigues Alves declara que vai acabar com as doenças que fazem a desgraça e a vergonha do Brasil: febre amarela, peste bubônica e varíola. Convoca-me e vou à sua presença. Digo-lhe que se me der os meios necessários, em 3 anos acabarei com a febre amarela e mais tarde atacarei as outras doenças. Pouco depois entrego-lhe o rol dos referidos meios. Num dia o Presidente nomeia-me Diretor da Saúde Pública, mas no dia seguinte eu peço a demissão porque nomeara para secretário do meu projeto, não quem eu indicara, mas um figurão da sua confiança. Fica abismado com a minha atitude mas recua, despede o figurão, nomeia quem eu indico. A 26 de Março de 1903 tomo posse.
Primeiro inimigo a abater: a febre amarela, com o seu vômito negro e mortal. Tenho portanto de liquidar o Stegomia fasciata, o mosquito raiado que, ao picar os homens, neles inocula o gérmen da doença. E isso só se consegue eliminando as águas estagnadas onde proliferam as larvas e as ninfas dos mosquitos raiados. Pedi ao Presidente um contingente de 1.200 homens mas o Congresso com as suas burocracias, tarda em aprovar o meu pedido. Então resolvo que uma brigada de 85 homens, chefiados pelo meu amigo Dr. Carneiro de Mendonça, saia em campo. Os meus fiscais sanitários batem quintais e jardins. Na ânsia de desinfetar invadem  pátios e porões, trepam aos telhados, saturam com petróleo as águas estagnadas, poças e charcos. No início, os cariocas divertem-se e troçam dos mata-mosquitos. O Dr. Carneiro de Mendonça passa a ser o mosquiteiro-mor e eu ganho a alcunha de czar dos mosquitos. Mas depois a população do Rio, tocada pela imprensa (prosa satírica e caricaturas) e pela Oposição a Rodrigues Alves, irrita-se, hostiliza, apela para a violência. Para impedir a inspeção domiciliar dos meus agentes, os proprietários impetram habeas-corpus. A Justiça começa por lhes dar razão e eu entro na briga. Em Tribunal alego que, se numa rua, uma casa ficar por desinfetar, em breve a febre amarela tomará conta dos seus habitantes que irão infetar os vizinhos e isso é quanto basta para regressarmos aos cem óbitos diários de antigamente. O Supremo Tribunal recua, o habeas-corpus não pode ser aplicado nestes casos. E eu trato de acelerar o saneamento da cidade. Rodrigues Alves pede-me que eu não seja tão rígido. Não cedo e coloco o meu cargo à sua disposição. O Presidente mantém-me no posto. Chega mesmo a dizer para um amigo comum:
--É impossível que esse moço não tenha razão.
No primeiro semestre de 1903, no Rio de Janeiro ocorreram 469 óbitos por febre amarela. Já no primeiro semestre de 104 apenas 39. E em 1906 dou por extinta a epidemia de febre amarela.
Cumpri o prometido: 3 anos para acabar com a peste !

ABAIXO A VACINA OBRIGATÓRIA !

Mas a ignorância não desarma e a guerra continua. Se a febre amarela atacava no verão, a varíola atacava no inverno. É doença trazida para o Rio por imigrantes estrangeiros e retirantes de outros estados do Brasil. Armas para combatê-la são as vacinas e essas já as mandei produzir, em grande quantidade, no Instituto de Manguinhos. Todas as entradas no Rio Passarão a ter postos de vacinação.
Nos finais de 1903 e princípios de 1904, na capital recrudesce a epidemia de varíola. Insisto com a Comissão de Saúde Pública da Câmara para que edite lei que obrigue a toda a população a vacinar-se. A lei tarda a ser publicada mas eu avanço: em maio de 1904 vacino mais de 8 mil pessoas, em junho, mais de 18 mil e em julho mais de 23 mil. É quanto basta para que a imprensa e a Oposição a Rodrigues Alves tornem a espicaçar a opinião pública contra mim: atentado contra a liberdade individual, contra o pudor da mulher brasileira que seráobrigada a mostrar a coxa para ser vacinada, abaixo a tirania, abaixo a vacina obrigatória!
Respondo: “Quem não quer vacinar-se poderá ser infectado. E, ao sê-lo, transmitirá a doença a quem não deseja ser doente. Se colidir com o bem comum, aí sim! A liberdade individual converte-se em tirania”.
Mas a imprensa não publica a minha argumentação. E quando, em Outubro de 1904, finalmente é publicada e entra em vigor a lei da obrigatoriedade da vacina, essa é a gota de água que faz transbordar a antipatia popular contra Rodrigues Alves, o qual não conseguira nem deter a carestia da vida, nem promover a oferta de empregos. Há tumultos graves e motins. A multidão enfurecida ataca a minha casa mas eu, com minha família, consigo escapar pelos fundos. Por influência do Apostolado Positivista também ocorre a insurreição da Escola Militar, tiroteio em vários bairros, cartuchos de dinamite explodindo pelas ruas. Teme-se a queda do Governo. O  Presidente entra em negociações, apazigua os ânimos, concilia. Mas paga um preço: revogação da obrigatoriedade da vacina. Mais uma vitória da ignorância contra o saber...

CONSAGRAÇÃO

A pedido do Governo, em1905 desloco-me aos portos no Norte para treinar as equipas sanitárias a lidar com a peste bubônica, a febre amarela e a varíola. Pelos mesmos motivos, em 1906, desloco-me aos portos do Sul.
Em 1907, em Berlim, no XIV Congresso Internacional de Higiene e Demografia, faço uma exposição das atividades do Instituto Manguinhos e da nossa luta para debelar as pestes. Dão-me o primeiro prêmio, medalha de ouro.
Ainda em 1907 sofro a primeira crise de insuficiência renal. No mesmo ano ingresso na Academia de Medicina do Brasil. Mas a ocorrência mais importante de 1907 é a esquadra americana singrando em direção ao cabo
Horn. Pretende contornar a América do Sul para alcançar o Pacífico. A meio caminho da costa atlântica demanda e fundeia, por uns dias, na baia da Guanabara. Antes, o Embaixador americano pergunta-me se havia o perigo de acontecer aos marinheiros americanos o mesmo que sucedera em 1895 aos marinheiros da Lombardia. E eu garanti ao Embaixador que ficasse tranqüilo, pois a febre amarela fora inteiramente debelada no Rio de Janeiro. Chega a esquadra, desembarca cerca de 18 mil marinheiros que passeiam pelas ruas, praias, morros e montanhas da cidade que será talvez a mais bonita do mundo, e nenhum deles adoece. Todos recordam o que aconteceu aos marinheiros italianos. E todos comparam o ontem com o hoje. Este acontecimento vai com certeza contribuir para a extinção do labéu internacional Basil- vasto hospital. Finalmente vingará, como queria D. João VI.a abertura dos portos brasileiros a toda a navegação.
Mas em 1908 outra vez a varíola irrompe no Rio de Janeiro. Interrompida que fora a vacinação, era inevitável que tal viesse a acontecer! Mas os tempos agitados de Rodrigues Alves já se foram, agora o Presidente é o tranqüilo Afonso Pena. As classes cultas já aceitam facilmente a vacina. Os populares resistem mas, com o passar do tempo,verificam que só morre de varíola quem não foi vacinado. E isso basta para, mesmo sem obrigatoriedade, começarem a aderir à causa da vacina.
Ainda em 1908 o Presidente Afonso Pena crisma o Instituto de Manguinhos com o nome de Instituto Osvaldo Cruz. Foi grande gentileza, a sua...
Em 1909, exausto, renuncio à direção da Saúde Pública e passo a dedicar-me, a tempo inteiro, a Manguinhos. Mas em 1910 sou convidado para investigar as condições sanitárias em que se trabalha na construção da via férrea Madeira-Mamoré. E sigo para o Amazonas, nada me consegue afastar da Batalha Permanente. Verifico que trabalhadores e populações vizinhas sofrem crises de malária. Receito doses maciças de quinino, de acordo com as pesquisas de Artur Neiva e Carlos Chagas. Em seguida marcho para Belém do Pará. Alí, mais uma vez, irei enfrentar a febre amarela.Uso os métodos que já aplicara no Rio. Mas com uma diferença: a população paraense, ao contrário da carioca, recebe com afabilidade os agentes sanitários e colabora ativamente na guerra contra os mosquitos raiados.
Em 1911 a Exposição Internacional de Higiene (Dresden, Alemanha) confere um diploma de honra ao Instituto Osvaldo Cruz.
Com a colaboração de Carlos Chagas, em 1912comando o saneamento do vale amazônico. No mesmo ano sou eleito para a Academia Brasileira de Letras.
Em 1914 a França que, nas suas colônias da África se beneficiara das minhas descobertas, concede-me a Legião de Honra, a mais alta distinção republicana.

PETRÓPOLIS

As minhas crises renais são cada vez mais freqüentes.Também meu coração e meus olhos começam a falhar. Exausto, em 1916 sou forçado a suspender todo o meu trabalho e retiro-me para Petrópolis. Talvez me revigore o clima ameno do alto da serra.
Dedico-me à floricultura. O meu filho convence-me que eu não tenho temperamento para cuidar apenas de jardinagem. O moço terá razão.
Acaba de ser criada a Prefeitura de Petrópolis e eu candidato-me a Prefeito. Ganho as eleições. Tomo posse e, como sempre fiz na vida, corto a direito, primeiro que tudo, o bem comum. As conseqüências são as do costume: interesses privados contrariados, clamor contra mim. Esgotado, não consigo prosseguir nesta guerra que nem sequer é do meu foro.Renuncio ao cargo.

MORTE

Oswaldo Cruz, faleceu em 11 de fevereiro de 1917
Seus admiradores, amigos e companheiros de trabalho, criaram a Fundação Oswado Cruz e a Comissão do Monumento à Memória de Oswaldo Cruz.
A Fundação, criada em 26 de julho de 1922, destina-se a perpetuar a memória do saneador do Rio de Janeiro através de obras de assistência, instrução técnica e educação profissional. Seus estatutos incluíam um decálago em louvor aos princípios que guiaram seus passos de homem de ciência. O último tópico diz que o lema da Fundação é: “Na ciência e na instrução, na assistência e no amor que constituíram a finalidade da obra de Oswaldo Cruz, materializar a glória de sua vida”.
Os membros mais destacados da Fundação Oswaldo Cruz eram Salles Guerra, presidente; Guilherme Guinle, vice-presidente; Clementino Fraga, secretário; João Pedroso, tesoureiro; Felix Pacheco, Pires e Albuquerque, Alfredo Elis, Carlos Chagas e Miguel Couto.
Carlos Chagas era, na época, diretor do Departamento Nacional de Saúde Pública e do Instituto Oswaldo Cruz."

APÊNDICE I
O TESTAMENTO DE OSWALDO CRUZ

*
“Desejo com sinceridade que não se cerque minha morte dos atavios convencionais com que a sociedade revestiu o ato da nossa retirada do cenário da vida. Pelo respeito que voto ao pensar alheio não quero capitular de ridículo esses atos: julgo-os para mim completamente dispensáveis e espero que a família que tanto quero, se conforme com esses inofensivos desejos que nasceram da maneira pela qual encaro a morte,fenômeno fisiológico naturalíssimo ao qual nada escapa. Tão geral, tão natural, tão banal é que julgo absolutamente dispensável de frisá-la com cerimônias especiais. Por isso desejaria que se poupasse aos meus a cena da vestimenta do corpo, que bem pode ser envolvido em simples lençol. Nada de convites ou comunicações para enterro, nem missa de sétimo dia. Nem luto tampouco. Este traz-se no coração e não nas roupas. Peço encarecidamente aos meus que não prolonguem o natural sentimento que trará minha morte.  Que se divirtam, que passeiem, que ajudem o tempo na  benfazeja obra de fazer esquecer. Não há vantagem alguma em fazer amargurar com lágrimas prolongadas os tão curtos dias de nossa existência. Portanto, que não usem roupas negras, que além de tudo não anti-higiênicas em nosso clima. Que procurem diversões, teatros, festas, viagens, a fim de que desfaçam essa pequena nuvem que veio empanar a normalidade do viver de todos os dias. É preciso que nos conformemos com os ditames da Natureza.
Aos meus filhos peço que não se afastem do caminho da honra, do trabalho e do dever, e que empunhem como fanal e o elevem bem alto o nome puro e honrado  e imaculado que herdei como o melhor patrimônio da família, e que a eles lego como o maior bem que possuo.
Á minha esposa querida, tão sensível, tão impressionável, tão difícil de se conformar com as dores da nossa vida, peço que não encare a minha morte como desgraça irreparável, peço que se console com rapidez e não deixe anuviado pela dor esse espírito vivaz, inteligente, espirituoso, que continua a alegria do nosso lar e o lenitivo pronto para os sofrimentos que por vezes deparávamos.
Aí ficam os nossos filhos,  outros tantos rebentos em que vamos reviver, garantias seguras da nossa imortalidade que se encarregarão de levar através do espaço e do tempo as porções de nosso corpo e de nosso espírito de que os fizemos depositários, quando ao mundo vieram.
Quanto aos nossos bens de fortuna que deixo, espero que sejam divididos por minha esposa entre os filhos. Espero e rogo que nunca a questão de bens materiais, venha trazer a menor discórdia entre os meus: seria para mim a mais dolorosa das contingências. Peço aos meus filhos que acatem sem discussão a divisão que deles fizer minha esposa.”

(Transcrito  em  Operaomnia, 1972- http:// academia .org.br/ cads /5/ osvaldo2.htm)














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