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By Ferramentas Blog

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

IDADE DE OURO DA MEDICINA BAHIANA

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SALA DOS LENTES - FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA










 
A história da Faculdade de Medicina da Bahia, diz Malachias Alves dos Santos em sua memória histórica relativa ao ano de 1854, a primeira a ser escrita, divide-se em quatro períodos. O primeiro, de 1808 a 1815, é o mais precário. Tem origem na carta régia de 18 de fevereiro de 1808, pela qual se procurou satisfazer a urgente necessidade de dar cultura às ciências médicas da Bahia. Criou-se naquela época "uma escola de cirurgia no Hospi­tal Real Militar desta cidade, para instrução dos que se destinam ao exercício desta arte"'.

A escola funcionou com o Dr. José Soares de Castro, nasci­do em Portugal, e encarregado do ensino de anatomia, e o cirur­gião Manuel José Estrela, nascido no Rio de Janeiro, destacado para o ensino da cirurgia.

Os dois professores "não dispunham de meio algum para o ensino eficaz da cirurgia nem percebiam qualquer salário. As li­ções teóricas eram proferidas em uma sala do hospital militar, a qual contava com uma cadeira para o lente e uma mesa, além de bancos para os alunos" (ibidem).

"As práticas ou demonstrações sobre cada um dos objetivos cirúrgicos que se tiverem tratado - dizia a carta régia - se farão em uma das enfermarias que lhe será franqueadas duas vezes por semana, sem contudo fazer reflexões à cabeceira dos doen­tes, mas sim na sala de aula, pois o curativo cirúrgico pertence ao cirurgião-mor do hospital, que só para isso tem atividade"(2). E acres­centa: "É essencialmente necessário que haja boa inteligência entre ambos os professores para que a discórdia não perturbe o importante objetivo do ensino" (ibidem).

O curso tinha a duração de quatro anos. A matrícula obriga­va a freqüecia às aulas, mas não impunha deveres aos alunos, porquanto - diz Malachias - "sou informado de que aos lentes nem respeito nem consideração guardavam os seus discípulos"'. E conclui: "Do que foi neste primeiro período o ensino da medici­na na Bahia se pode ajuizar por aquele empréstimo de ferros velhos para o ensino da anatomia, e ainda melhor, pelo fato de terem alguns dos alunos de então tornado a se matricular em 1816, quando começou a funcionar o colégio de Cirurgia (ibidem).

Na opinião de Freire de Carvalho Filho, a nossa faculdade, desde sua origem, cumpriu a sua missão com seriedade e alti­vez. "Não sou daqueles que pensam que, no modesto período primitivo de 1808 a 1816, fosse nulo ou quase tal o ensino médi­co"(3). E acrescenta: "O ilustrado Dr. Braz do Amaral, em seu brilhante discurso proferido em outubro de 1908, por ocasião das festas comemorativas do 1° centenário de fundação do ensino médico no Brasil, disse que "os documentos existentes no arqui­vo público mostram que ela viveu vida útil e que nela se ensinou e nela se aprendeu. Eram honestos os tempos e severo o modo pelo qual se entendia o serviço público e as obrigações contraí­das. Não só os dois primeiros professores não faziam daquilo uma perambulação, como até reclamavam, com energia, pela severidade do ensino, conforme se vê dos ofícios dirigidos ao governador sobre estudantes que faltavam, e nas reclamações enérgicas acerca da retirada precipitada que faziam, algumas vezes, dos cadáveres que eram precisos para as dissecções anatômicas" (ibidem).

O segundo período, estende-se de 1816 a 1832. Começa com a carta régia de 29 de dezembro de 1815, a qual reorganizou o ensino médico, determinando que o curso de cirurgia fosse reali­zado em cinco anos, com cinco cadeiras e que a escola fosse transferida para as instalações da Santa Casa de Misericórdia, na rua do mesmo nome, sob a denominação de "Colégio Médico-­Cirúrgico": "Muito embora o colégio tivesse vida independente e nobre", comenta Malachias, "ficou limitado, apenas, a um corre­dor do edifício da Santa Casa, dividido em três pequenas salas, das quais uma inutilizada por servir de passagem para as outras repartições. Tinha por anfiteatro de dissecção e operações um pequeno quarto escuro, compreendido na enfermaria mais baixa do hospital"'.

O terceiro período, muito fecundo, vai de 1832 a 1854, tendo como ponto de partida a lei de 3 de outubro de 1832, lei muito avançada para a época, o que ensejou sensível alento para o ensino. O curso foi ampliado para seis anos e deu-se o nome de "escola" ou "Faculdade de Medicina" aos colégios médico-cirúr­gicos da Bahia e do Rio de Janeiro.


A Faculdade da Bahia voltou a funcionar no antigo Colégio dos Jesuítas, no Largo do Terreiro de Jesus, vago pela remoção do Hospital Real Militar. Tendo sido para aí também transferidas as enfermeiras do Hospital da Santa Casa. "Foram destinados á faculdade todo o andar de cima, a Casa da Botica e seus anexos, as salas que ficam no corredor de baixo e o teatro anatômico, ficando as obras que se tornarem necessárias à disposição da faculdade, que dirigirá o arquiteto que para elas for designado"1.

O quarto período, foi um período de franco retrocesso. Teve início com a reforma de 1854, a qual, no dizer de Pacífico Perei­ra, "deu o último golpe à organização liberal de 1832, suprimindo as concessões da lei que permitiu às faculdades vida autônoma e próspera, cerceando as atribuições e prerrogativas das corporações docentes, em vez de desenvolver o plano de organi­zação didática e administrativa, iniciado pelos estadistas da re­gência, reduzindo assim o ensino superior à esterilidade a que foi condenado por mais de vinte e cinco anos"(2).


Dentro da faculdade, apesar de tudo, começou a fermentar a semente da qual desabrochariam, com o correr do tempo, frutos os mais fecundos. Tais frutos, multiplicados ao longo de alguns decênios, fariam da Bahia um dos maiores centros médicos do novo mundo.

Vejamos alguns exemplos:

José Avelino Barbosa, formado pela Universidade de Edimburgo, foi eleito pelos seus pares, em 1829, nosso primeiro diretor. Partidário ardoroso da independência, desempenhou papel relevante nas terríveis lutas, que se travaram neste estado, pela liberdade do povo brasileiro, o que muito contribuiu para o sentimento de rebeldia e progresso, desde então incorporado à instituição.

José Lino Coutinho, seu substituto, formado em Coimbra, clínico competente e humanitário, mestre dos mais cultos, tribuno proeminente, estadista de escol, administrador operoso e dotado de espírito avançado, além de homem de letras e jornalista, ini­ciou o soerguimento da tradicional casa de ensino.

Do mesmo estofo foram:

José Vieira de Faria Aragão Ataliba, também formado em Coimbra, notável orador e professor de renome.

Malachias Álvares dos Santos, formado pela Bahia, lente respeitável, orador e filósofo, autor da primeira memória histórica da nossa faculdade. No conceito de Oscar Freire(4), Malachias foi "um dos mais brilhantes talentos e das mais sólidas culturas que passaram pela Faculdade de Medicina". Aranha Dantas, em sua memória histórica referente ao ano de 1855, registra o fato se­guinte: "Véspera do memorável 2 de Julho, à noite, quando, entu­siasmados pela recordação das glórias da pátria, atravessavam o terreiro os batalhões patrióticos em marcha para a Lapinha, de uma das janelas da escola deu o digno lente Sr. Dr. Malachias o magnífico espetáculo da luz elétrica, admirável fenômeno, cujo ensaio, não me consta, já fosse feito por alguém no Brasil"(5).

Jonathas Abbott, nascido na Inglaterra, naturalizado brasi­leiro e por todos os títulos considerado um dos melhores profes­sores de medicina do Brasil(6).

Manoel Joaquim Henriques de Paiva, formado por Coimbra, "revelou-se sempre um espírito brilhantíssimo, quer como jorna­lista e publicista, quer como professor, conforme demonstra sua vasta e interessante bibliografia", afirma Sá de Oliveira. E com­pleta: "Era um verdadeiro sábio"! (ibidem).

Antonio José Alves, Antonio José Osório, Manoel Ladislau Aranha Dantas (primeiro sergipano a ser professor da Faculdade de Medicina da Bahia), Joaquim Antônio de Oliveira Botelho e outros mestres ilustres, muito fizeram pelo engrandecimento do vetusto berço da medicina brasileira, pelo que merecem admira­ção e respeito.

É de todos sabido o esforço de José Lino Coutinho no senti­do de melhorar o ensino médico no Brasil, esforço que ultrapas­sou os definidos limites do "Projeto de Reforma das Escolas de Medicina" por ele apresentado ao parlamento do império em 1827. Não desconhecemos a atitude de Antônio Policarpo Cabral, pro­pondo à congregação proibir-se o uso das célebres "sebentas" da Universidade de Coimbra. Não ignoramos, igualmente, o es­forço de Manoel Ladislau Aranha Dantas, publicando para os alu­nos a sua "patologia externa", fato que não era de modo nenhum freqüente naquele tempo(3).

A contribuição de Jonathas Abbott, o grande professor de anatomia, foi extraordinária. Nascimento Blacke pontifica: "Gran­de anatomista, como não me consta que tenha existido igual no Brasil, foi o fundador do gabinete anatômico da Faculdade da Bahia, que continua uma coleção de peças curiosas, já notável antes que fosse instituído o da corte e ao qual, por deliberação da mesma faculdade, foi dado o título de Gabinete Abbott"(7).

Conta Oscar Freire, a propósito do ensino ministrado por Abbott, o seguinte: "Em 1849, Firmino Coelho do Amaral apre­sentou, para obter o grau de doutor em medicina, uma tese sobre "o médico na Bahia". Nesse corajoso trabalho o autor descarna com rigor e má vontade as mazelas do ensino médico naquela época, em que não descobre nada de aproveitável, pecando tal­vez por exagerado pessimismo. Há na tese - diz Oscar Freire ­visível preocupação de evidenciar independência, evitando o au­tor `com cuidado' qualquer elogio aos professores"(4). Ao referir-se à cadeira de anatomia, o autor de tão descabida tese interrompe sua enxurrada de impropérios e relata o seguinte: "Ao chegar ao 2° ano o estudante paga a segunda matrícula e pretende estudar a anatomia e a química. Ainda a primeira destas duas é entre nós mais ou menos sabida, porque, além da eloqüenciae saber da pessoa que a leciona, as necessidades materiais, mesmo antes da vinda do cadáver de cartão do Dr. Auzou, eram satisfatoria­mente preenchidas, porque raro é o estudante que não tem os ossos do esqueleto, ou por ele mesmo preparados, ou por outro que Ih'os cedeu gratuitamente ou com algum interesse: os cadá­veres, é verdade, eram e são ainda, muito difíceis de se obter, não só porque é muito limitado o número de mortos do hospital da Misericórdi  , como também porque alguns destes não podem, servir pelo estado de putrefação e, outros, por serem reclamados pelos parentes, que quase sempre aparecem nessas ocasiões com supersticioso e mal-entendido sentimento de humanidade".

Continua o autor da tese: "Com tudo isso, quem gosta de estudar, aproveita, e de tal modo o faz que na Bahia se sabe tanta anatomia que sobre esta ciência ganhou-se um prêmio na Europa. João Leslie, estudante do 4° ano da Escola da Bahia, quando passou-se para a Inglaterra, a fim de concluir sua carrei­ra na Universidade de Edimburg, na Escócia, teve de fazer exa­mes em todas as matérias aqui aprendidas, para poder então matricular-se lá, e sendo permitido os examinados proporem-se a louvor ou a simples aprovação. No que diz respeito à anatomia, o exame foi coroado de bom sucesso e um diploma com alguns livros foram-lhe dados, como um título honroso do seu aproveita­mento(7).

Diz Rodolfo Teixeira: "1832 é o ano em que o ensino da me­dicina adquire formas definidas de maturidade, é o ano em que, inspirado no valor da ação de José Lino Coutinho, criou-se, real­mente, a Faculdade de Medicina da Bahia. Dela não se poderia exigir qualidade e perfeição. Difícil vencer os obstáculos. Instala­ções precárias e material de ensino improvisado. Fazia-se o melhor possível. Os formandos mais protegidos pela fortuna de suas nascentes seguiam adiante, em busca do melhor, em centros de ensino do velho mundo. Voltavam e se constituíam em sementes de progresso, abrindo a visão de horizontes mais amplos e dis­tantes. No entanto, de quando em quando, buscando ambiente e mercado de trabalho, que não haviam encontrado nas suas ter­ras, chegavam à Bahia médicos diplomados em centros de maior reputação do mundo. De permeio com os bons, algumas figuras suspeitas de aventureiros, de origens, tantas vezes, duvidosas"(8). E conclui: “Tal era a comunidade médica na quadra de sessenta do século passado na cidade da Bahia - uma casta à parte - a dos professores da faculdade, os médicos da terra, com e sem viagens ao estrangeiro, e os profissionais dos outros países" (ibidem).

A propósito dos médicos de origem estrangeira, diz Antonio Caldas Coni: "A história da medicina em nossa terra não se resu­me na história da sua instituição oficial, a por todos os títulos glo­riosa Faculdade de Medicina. Dela escreveram páginas vivas e de inexorável brilho médicos que não tiveram cátedras, sobres­saindo os da tríade fulgurante, passados já à história como ver­dadeiros fundadores da medicina experimental no Brasil. Refe­re-se Caldas Coni aos Drs. Otto Wucherer, John Ligertwood Paterson e José Francisco da Silva Lima, três clínicos e pesqui­sadores estrangeiros que transformaram a medicina brasileira. Três homens incomuns, três personagens ilustres, três ilumina­dos que aqui, em plena época do animismo pré-pasteuriano professaram a mais pura, a mais científica e a mais nobre medicina, não somente da Bahia e do Brasil, mas de toda a América Latina!


Os três aglutinaram em torno de si um grupo de facultativos dedicados e iniciaram, a partir de meados do último século, os "anos dourados" da nossa medicina.
Otto Wucherer nasceu na cidade do Porto, no ano de 1820. Filho de pai alemão e mãe flamenga, recebeu o grau de médico em 1841, na Universidade de Turingen, na Alemanha. Chegou à Bahia em 1841. Este sábio foi, por todos os motivos, uma figura extraordinária ao longo de mais de 25 anos, como grande clínico, pesquisador e higienista, viveu entre nós inicialmente, ao lado de Paterson e - a partir de 1852 - ao lado de Paterson e Silva Lima, escreveu páginas gloriosas e emocionantes, páginas de incomen­surável valor. Aqui enfrentou a epidemia de febre amarela, cujo diagnóstico esclareceu. Ditou normas, defendeu princípios, im­pôs argumentos e transformou sua própria casa em hospital. Lu­tou com tanto heroísmo que a muitos pareceu ser imune ao vírus amarílico. Certo dia disse, amargurado, a Silva Lima: "Fechei mi­nha casa, onde tinha enfermaria. Entraram lá 20 doentes de fe­bre amarela e saíram 21 cadáveres, incluindo o da minha espo­sa!(9)

Não foi o bastante. Wucherer fez muito mais: lutou também contra o cólera morbus, estudou os ofídios brasileiros, produzin­do trabalhos ainda hoje clássicos, esclareceu a etiologia da hipoemia tropical, nela identificando os ancilostomídeos de Dubini descobriu nas urinas hematoquilúricas as microfilárias do filarídio de Brancoft, o qual é hoje chamado, em sua homenagem, Wuchereria bancrofiti.

John Ligertwood Paterson foi outro cientista famoso e, de igual modo, clínico de escol. Nasceu no mesmo ano em que nas­ceu Wucherer e se formou em medicina também no mesmo ano em que Wucherer se formou. Era natural da Escócia e desde cedo demonstrou profundo interesse pela língua e literatura lati­nas, as quais dominou. Os estudos subseqüentes, de natureza humanística e diversificada, possibilitaram-lhe sólida base para o curso médico, realizado na Universidade de Aberdeen. Tão logo foi diplomado em medicina, rumou para Londres, levando no coração o desejo de ser membro do Real Colégio de Cirurgiões. Enquanto aguardava o exame necessário à sua aprovação, ain­da convalescente de grave moléstia, enfrentou a banca examina­dora e conquistou, com galhardia, o almejado troféu. Em segui­da, freqüentou hospitais, privando com os mais notáveis profes­sores londrinos e quando se convenceu ter aprendido o bastante, foi a Paris com o objetivo de beber na fonte medicina pura e atu­alizada. Na capital francesa, entrou em contato com grandes fi­guras da profissão. Partiu depois para a Suíça, Itália e Áustria, sempre à procura de colegas ilustres e hospitais famosos, os quais, no seu modo de dizer, "eram escolas vivas e permanentes de ensino prático e perenes fontes de conhecimento" (ibidem). Em 1842, depois de voltar à sua terra natal e desfrutar por certo tem­po o alegre convívio paterno, rumou para o Brasil. Aqui chegou, na Cidade do Salvador, em 7 de novembro do mesmo ano, sub­metendo-se ao exame de suficiência e de verificação de título, na Faculdade de Medicina. Obtida a licença para o exercício legal da profissão, assumiu os compromissos do seu irmão e colega, Dr. Alexandre Paterson, isto é, os de médico da colônia inglesa e de um pequeno hospital, com dispensário, que era ao mesmo tempo sua residência e no qual recebia os tripulantes da Marinha britânica. Por ocasião da chegada do Dr. John Paterson, o pe­queno hospital passou a funcionar na rua da Alegria, nos Barris. Mais tarde, Paterson o adquiriu e nele residiu até a morte, sendo por isto conhecido, durante muito tempo, como "a casa do doutor inglês".


À clientela dos seus compatriotas somou Paterson a da po­pulação em geral e de tal modo o fez que, segundo afirmação de Silva Lima, "com o andar do tempo chegou, em extensão e traba­lho, a proporções verdadeiramente assombrosas e nunca vistas nesta cidade"(9). No dizer do grande médico lusitano, "o Dr. Paterson continuava aumentando a obra criativa começada pelo seu irmão, e com o mesmo sucesso, a clínica dos pobres, que já então sabi­am o caminho da "casa do doutor inglês", para onde afluíam em grande número todas as manhãs" (ibidem).

Bem cedo conquistou a estima e o respeito do povo e da classe médica, graças não somente à sua qualificação como tam­bém aos seus dotes pessoais de fino cavalheiro e de culto ho­mem de letras. "Até 1858, o Dr. Paterson não tinha família. Viven­do só, consagrava o seu tempo e a sua atividade aos seus doen­tes e aos seus estudos, em proveito próprio e deles. Raríssimas vezes era visto em sociedade, mesmo na dos seus compatriotas. Em público só era encontrado no trabalho, quase sempre a cava­lo, de dia e de noite, a correr, ao sol e à chuva, em toda a parte e a toda a hora" (Caldas Coni, obra citada). A sua faina começava cedo, quase sempre pela alta madrugada. "Depois de infalível banho frio de imersão começava a consulta matinal, quase sem­pre à luz do gás. Ao cabo de duas horas, ou pouco menos, inter­rompia o exame dos doentes, pela maior parte de pobres, e des­pedia os restantes até o dia seguinte" (ibidem). Prossegue Silva Lima: "Após uma refeição ligeira, montava a cavalo, fazia as suas visitas até as duas horas da tarde, depois de um jantar frugal saía outra vez, e voltava à casa à hora incerta da noite, e às vezes tão tarde e tão fatigado que caía a dormir vestido, em uma cadeira de descanso, durante as três ou quatro horas que lhe restavam para o repouso. Não raro era interrompido por chamadas de emergên­cia. Houve tempo em que ele se viu obrigado a ocultar-se em outra casa, a alguma distância da sua, mas noites em que lhe era absolutamente necessário estudar ou dormir em liberdade. Algu­mas vezes notavam os colegas nas conferências, que, afrouxan­do um pouco a conversação, ou não tendo ele de falar, caiam-lhe as pálpebras, irresistivelmente vencidas por uma sonolência ino­portuna" (ibidem). Para atender atividade tão exaustiva e incomum, era-lhe preciso ter prontos e à mão pelo menos três cavalos, para fazer as mudas necessárias ao serviço do dia e da noite".

Em meio a tão trepidante existência, desposou Paterson, em 1857, miss Caroline Mary, nascida no Rio de Janeiro. Embora casado, em nada mudou seus hábitos, horários e costumes, con­trariando a expectativa das pessoas mais íntimas.


Nos doze anos que se seguiram ao casamento permaneceu Paterson nessa atividade trepidante.

José Francisco da Silva Lima nasceu em 1826, na aldeia de Vilarinho, em Portugal. Chegou à Bahia em 1840, aos 14 anos de idade. Doutorou-se em nossa faculdade em 1851 . Naturalizou-se brasileiro em 1862. "Em pouco tempo - diz Braz do Amaral - se fez a sua aproximação com os dois homens de mais renome na Bahia, no cultivo das ciências médicas: Wucherer e Paterson. "Espírito culto, dotado de rara penetração dos fatos mórbidos, Silva Lima era o centro de atenção da mocidade estudiosa do seu tempo, que dele se acercava, sequiosa, para dos seus lábios haurir a avisada palavra do clínico, veículo suave da erudição profunda que desfrutava, e a cujo condão muitas dúvidas se dis­sipavam, até mesmo da gente provecta - nos embaraços charadísticos da profissão. Reunia excelentes qualidades de mestre, e o era, de fato, sem ser professor”(10). Disse Aristides Novis: "Devoto impenitente do livro, sua farta biblioteca não conseguia mitigar, ao investigador, o prurido incoercível de aprender. Prefe­ria, por isso, ter no doente, cujas edições são sempre novas, por­que infinitas, ao passo que, nas estantes do médico, as tiragens, por mais assíduas, perdem sempre no confronto com as cambi­antes inéditas do mal" (ibidem).

De 1866 a 1908 publicou quase 100 trabalhos científicos do maior valor. Relacionamos dentre eles os referentes ao ainhum (doença que recebeu o nome de "doença de Silva Lima"), à febre amarela, ao beriberi, à filariose, etc. Durante o período de 1864 a 1890, exerceu o cargo de médico da Santa Casa de Misericórdia, isto é, por 26 anos consecutivos, prestando àquela casa notáveis e copiosos serviços em favor dos pobres e desamparados. Ser­viu à higiene pública como vacinador domiciliário, presidiu o con­selho sanitário estadual e exerceu inúmeros outros encargos e funções de natureza científica e humanitária, pelo que mereceu as mais altas homenagens de inúmeras instituições e socieda­des; tais como a Sociedade de Medicina da Bahia, a Sociedade de Ciências Médicas de Lisboa, a Sociedade Médica da Argenti­na, o Instituto Geográfico e Histórico Brasileiro, a Academia Naci­onal de Medicina, a Associação Médico Farmacêutica de Pernambuco, o Instituto Histórico e Geográfico da Bahia, etc.


"Modelo vivo da deontologia médica", definiu-o o seu grande discípulo Pacífico Pereira(12). "Era um compêndio de ética profissi­onal", afirmou Braz do Amaral, por ocasião da sua morte, ocorri­da no dia 10 de fevereiro de 1910, quando completava 84 anos de idade(10).

Clínico de escol, pesquisador dos mais lúcidos e primososos assim definiu a sua profissão: "O médico digno deste nome, con­sagra à humanidade as suas vigílias, o sacrifício de seus praze­res, das suas comodidades, os frutos da sua inteligência, a sua vida até, se for necessário, e aos seus irmãos na ciência - a leal­dade, a franqueza e a consideração sem limites nem restrições. São estas as diferenças principais que distinguem a profissão médica de um ofício mecânico e mercenário ou de uma especu­lação mercantil ou industrial”(12).

Em 1883, Virgílio Damásio percorreu dez países europeus e publicou importante relatório, rico de observações pessoais. Dito relatório, obra rara, infelizmente esgotada, serviu de lastro para a estruturação científico-cultural da chamada "Escola Médico-Legal da Bahia", sedimentada por Nina Rodrigues e Oscar Freire. O pri­meiro, "pelo cabedal de sua erudição, o rigor das suas pesquisas, a capacidade do seu trabalho e a amplidão dos seus estudos(13). E completa Lamartine Lima: "Depois de publicar muitos artigos e te­ses, Nina Rodrigues lançou o seu primeiro livro, em julho de 1894, sobre dois dos temas que, naquele momento, envolviam as dis­cussões em todas as escolas de uma Europa colonialista, que ampliara sua expansão na África desde a conferência de Berlim, havia duas décadas: etnia e imputabilidade" (ibidem).

Trata-se, já se vê, da obra: "As raças humanas e a respon­sabilidade penal no Brasil". Nina Rodrigues fundou a Antropolo­gia Brasileira e consolidou, em definitivo, a chamada "Escola Médico-Lega) da Bahia", a qual, de acordo com a mesma fonte, deu os ramos de Juliano Moreira, Afrânio Peixoto e Diógenes Sampaio, para o Rio de Janeiro, Oscar Freire para São Paulo e Augusto Lins e Silva para Recife".

"Nina Rodrigues, diz Thales de Azevedo, fez na Bahia as primeiras investigações de campo sobre a aculturação religiosa e lingüística de africanos no Brasil, formulou uma teoria sobre o hibridismo de crenças dos escravos, empreendeu pesquisas pio­neiras sobre a mestiçagem e suas conseqüências biológicas e clínicas e exerceu uma forte influência sobre o que, no fim do século passado e começos do atual, se entregaram ao estudo médico, sociológico e jurídico da criminalidade, da religiosidade popular, do alcoolismo, da sífilis, das doenças mentais. As suas pesquisas, baseadas em conceitos considerados científicos na época e em dados empíricos ainda hoje válidos, repercutiram no país e no exterior, consagrando-o como o chefe da Escola Antro­pológica Baiana. O impacto de suas abordagens e de suas idéi­as. apesar da reorganização doutrinal que experimentaram as interpretações daqueles fenômenos, acentua-se, para além da sua morte, quando se publicaram ou se reeditaram vários dos seus artigos, reinterpretados por seus discípulos". Concluindo, disse Fernando de Azevedo: "Nina Rodrigues, além de inaugurar uma nova fase na evolução da medicina legal no Brasil, como professor dessa matéria de 1891 a 1906, renovou o seu espírito e os seus métodos, formando discípulos e criando escola."

Não ficou aí a velha Faculdade de Medicina da Bahia. Outro sábio provocaria, pouco depois, a admiração da comunidade ci­entífica mundial, realizando extraordinária descoberta, luzindo ainda mais os "anos dourados" da nossa medicina. "Em 1908, relata Edgar Falcão, num modesto laboratório de análises clíni­cas, instalado no hospital Santa Isabel, um não menos modesto assistente de clínica médica, ao fazer coproscópias de pacientes internados no seu serviço nosocomial, entrou a deparar, com fre­qüência, elementos estranhos até então desconhecidos em nos­so meio. Tratava-se de. ovos de helmintos, dotados de espículo lateral, cuja proveniência intrigou a curiosidade do observador." Quatro anos antes, este os havia encontrado em idênticas condi­ções, sem poder esclarecer-lhes as origens. Nessa época, po­rém, já lhe chegara aos ouvidos o rumor de determinada conten­da, estabelecida no velho mundo, a propósito da significação de tais elementos. Segundo uns, não passavam de meras variantes , de ovos de Shistosoma haematobium, trematódio produtor da hematúria do Egito. Conforme outros, constituíam elementos de uma nova espécie batizada em 1907 pelo prof. Sambon, com o nome de Schistosoma mansoni. Defendia entusiasticamente a primeira hipótese o maior helmintologista da época, Arthur Looss, do Cairo". O jovem médico baiano, Manoel Augusto Pirajá da Sil­va, levantou bem alto o seu nome e o da sua faculdade, descre­vendo com admirável precisão a nova espécie de helminto en­contrada nos pacientes por ele necropsiados. De tal modo o fez que, a 6 de abril de 1912, o Instituto de Medicina Tropical de Ham­burgo, abriu suas portas para receber o sábio que, a convite de Fuelleborn, proferiu belíssima conferência sobre o novo parasito e a nova doença, por justiça chamada "doença de Pirajá da Sil­va".

O resto foi um inundar de glórias: estava fundada a "Nova Escola de Tropicalistas da Bahia", iniciada por Pirajá da Silva e continuada por Otávio Torres, Prado Valadares, Gonçalo Moniz e Armando Sampaio Tavares, para falar somente daqueles que já se foram.

Wucherer, Paterson e Silva Lima criaram a primeira escola de tropicalistas baianos e iluminaram com o fulgor das suas inte­ligências a idade de ouro da nossa medicina. Iniciaram os "anos dourados" que fluíram, tranqüilos e belos, de 1866 até 1934, isto é, durante a primeira fase da "Gazeta Médica da Bahia", trazendo no seu vórtice glorioso, além de Virgílio Damásio, Nina Rodrigues, Oscar Freire, Pirajá da Silva, Otávio Torres, Prado Valadares e Armando Sampaio Tavares, luminares já citados. Outros vultos de raro fulgor, tais como Alfredo Brito, Demétrio Tourinho, Adriano Gordilho (Barão de Itapoan), Manoel Vitorino, Pacífico Pereira, Egas Moniz, Francisco dos Santos Pereira, Clementino Fraga, Climério de Oliveira, José Adeodato de Souza, Caio Moura, Antô­nio Borja, Eduardo Freire de Carvalho, Bezerra Lopes, José Rodrigues da Costa Dória, Aurélio Viana, Fernando Luz, Alfredo Magalhães, Couto Maia, Sabino Silva, Magalhães Neto, Estácio de Lima, Inácio de Menezes, Edgar Santos e muitos outros, para citar apenas alguns dos que já se encontram mortos.

Seria justo desejar maior glória do que esta, a ter vivido a Bahia - através de tantos homens ilustres - tantos anos de glória?

O grande feito que fluiu da tríade maravilhosa - Wucherer, Paterson e Silva Lima - foi a "Gazeta Médica da Bahia", relicário sagrado onde estão documentados, mês após mês, os "anos dourados" da Medicina Baiana. "A Gazeta Médica da Bahia" - disse Pacífico Pereira - teve uma origem das mais modestas". Descreve-a um dos seus mais prestantes fundadores, o Dr. Silva Lima:

"Em 1865, instituiu o provecto clínico - referia-se ao Dr. Paterson - umas amigáveis e interessantes palestras noturnas, espécies de "conversazione" periódica, em que duas vezes por mês tomavam parte em mui limitado número alguns colegas das mais estreitas relações. Efetuavam-se estas palestras à vez, ora em sua casa, ora na de cada um deles; e os assuntos das ses­sões eram inteiramente facultativos e às vezes fortuitos; não ha­via estatutos nem programas, nem fórmulas de discussões nem atas; ninguém ali tinha por obrigação fazer cousa alguma em tem­po, modo e matéria determinada, mas quando, como e o que queria ou podia. Versavam os entretenimentos, de ordinário, so­bre casos clínicos correntes, exames microscópicos ou oftalmológicos, inspeção de algum doente afetado de moléstia importante, ou sobre questões e novidades científicas do tempo concernentes à profissão ou de algum modo relacionados com ela"(14). E continua: "Tomaram parte nestas conferências alguns dos médicos mais notáveis daquele tempo, como o Dr. Januário de Faria, professor, depois conselheiro de Sua Majestade, o Imperador, e diretor da Faculdade de Medicina, Dr. Antônio José Alves, eminente cirurgião e também professor da faculdade (pai do poeta Antônio de Castro Alves); Drs. Wucherer, Silva Lima, Pires Caldas, Pacífico Pereira, Vitorino Pereira, Santos Pereira, Maia Bitencourt, SiIva Araujo, Almeida Couto, Américo Marques e Hall, que sucessivamente iam tomar parte nessa instrutiva convi­vência, em que todos, velhos e moços, alternativamente e sem que o percebessem, tinham sempre alguma cousa que ensinar ou que aprender" (Ibidem). "Foi nestas palestras noturnas, relata Pacífico Pereira, por diversas vezes interrompidas e recomeça­das que apareceu e se pôs por obra em 1866 a idéia da publica­ção da "Gazeta Médica", que tão bons serviços tem prestado à profissão e à literatura médica brasileira, foi ali que sucessiva­mente foram objeto de conversação e de estudos micrográficos a hipoemia-intertropical e suas relações com o Ancylostoma duodenale de Dubini, a Hematoquilúria e a Filária aqui primeiro descrita por Wucherer nas urinas quilosas (Wuchereria bancrofiti) e depois foi ali finalmente que por muitas vezes veio a tela da discussão a singular moléstia que desafiava a sagacidade dos médicos da Bahia e que se achou ser idêntica ao beriberi India­no, descrito há mais de dois séculos por Bontius, e se ventilaram muitas outras questões de interesse geral ou particularmente uti­lizáveis em suas aplicações práticas à medicina e à cirurgia(12).


A "Gazeta Médica da Bahia" foi publicada, com pequenas interrupções, durante 78 anos, de 1866 até 1934. Diz Rodolfo Teixeira: "Mergulhou, então, em um longo período de quietude. Ressurgiu novamente em 1966 para retornar, em 1970, ao silên­cio que já perdura, triste e melancólico"(8) !

Nos 78 anos de sua ininterrupta publicação, estão os estu­dos e as descobertas mais notáveis, vindas à luz durante os ines­quecíveis "anos dourados" da medicina bahiana.

Folheando suas páginas, o observador cuidadoso, repleto de admiração e respeito, defronta-se com todos os luminares que abrilhantaram, com a sua cultura e a sua experiência, uma medi­cina que honrou a Bahia durante três quartos de séculos, anos os mais ricos da nossa historiologia médica.


Encontramos em suas páginas os artigos mais preciosos e os registros mais importantes de uma época verdadeiramente bela. Como colaboradores, o leitor colherá nomes como os de Paterson, Wucherer, Silva Lima, Alfredo Brito, Armando Tavares, Aurélio Viana, Antônio Borja, Aristides Maltez, Aristides Novis, Alfredo Magalhâes, Afrânio do Amaral, Álvaro de Carvalho, Álvaro Bahia, Adriano Pondé,,Artur Ramos, Clementino Fraga, Carneiro Ribei­ro, Cesário de Andrade, Climério de Oliveira, Caio Moura, Cesar de Araujo, Colombo Spínola, Caldas Coni, Demétrio Tourinho, Eduardo Araujo, Estácio de Lima, Edgar Cerqueira Falcão, Eduar­do Morais, Egas Moniz, Ernesto Carneiro Ribeiro, Fernando Luz, Fernando São Paulo, Flaviano Silva, Gonçalo Moniz, Genésio Sales, Gonçalves Martins, Guilherme Pereira Rebello, Heitor Praguer Fróes, Inácio de Menezes, João Américo Garcez Fróes, João de Souza Pondé, José Adeodato de Souza, José Rodrigues Dória, João Gonçalves Martins, José Júlio de Calazans, José Adeodato Filho, Lídio de Mesquita, Leõncio Pinto, Martagão Gesteira, Manoel Vitorino, Magalhâes Neto, Manoel da Silva Lima, Mário Peixoto, Manoel Muniz Ferreira, Noguchi, Otávio Torres, Oscar Freire, Pacífico Pereira, Pirajá da Silva, Pinto de Carvalho,  Prado Valadares, Sebastião Barroso, Virgílio Damásio, Vidal da Cunha e muitos outros.

Existirá por certo bibliografia regional mais rica e numerosa e ao mesmo tempo mais seleta?

Ali estão, de igual modo, naquelas páginas preciosas, registros os mais valiosos, levados ao conhecimento dos pósteros por médicos e professores famosos, tais como o da fauna cadavérica da Bahia, os de achados teratológicos, os da descrição de novos helmintos (Ancylostoma duodenale, Wuchereria bancrofti, Schistosoma mansoni e sua furcocercária), bem como os primeiros casos de doença de Chagas e leishmaniose cutânea      mucosa na Bahia, e bem assim os de esporotricose, ahium, actinomicose, sódoku, e várias outras doenças, cranioplastias, estrongiloidose bronco-pulmonar, beri-beri etc. etc.

Ali também, naquelas páginas, encontrará o leitor o registro da primeira transfusão sangüínea realizada entre nós.


Não ficou no silêncio, igualmente, a dedicação da Faculdade de Medicina - através dos seus professores, funcionários e alunos - , às nobres causas do povo baiano, quer a da independência, quer à da Guerra do Paraguai, quer a da Guerra de Canudos, quer a das grandes epidemias! A faculdade, muitas vezes, foi transformada em hospital e suas salas de aula em enfermarias! Quanto a guerra do Paraguai diz a "Gazeta Médica": "A Faculdade da Bahia tem no Exército não menos de nove professores catedráticos, seis opositores e mais de 40 alunos", sendo conveniente lembrar que, segundo Pacífico Pereira, naquele tempo a congre         gação compunha-se de dezoito catedráticos e 15 opositores, havendo quatro vagas de catedráticos e seis de opositores.

No que diz respeito à Guerra de Canudos, relata Otávio Torres que “foram utilizados, pela primeira vez, no mundo, os raios X como meio de localização dos projéteis de arma de fogo em ferimentos de guerra, pelo grande e notável professor de clínica propedêutica, Dr. Alfredo Brito”(4). Este fato ocorreu no dia 4 de agosto de 1897, em um soldado do 5° Batalhão da Polícia Militar, ferido no dia 27 de julho.

Senhores, É nosso dever reverenciar os grandes vultos da medicina e preservar com carinho as suas obras, sobretudo a maior delas, isto é, a "Gazeta Médica da Bahia", tabernáculo onde estão guar­dados para sempre, no mais cruel silêncio, nossos "anos dourados"!


Pacífico Pereira, momentos antes da sua morte, nos cha­mou a atenção para o cumprimento deste dever, dizendo: "As gerações sucedem-se como os indivíduos, e pela ordem natural das coisas, o acervo intelectual de uns fica sendo patrimônio co­mum e inalienável de outros; é a estas que, no seu próprio inte­resse e no da comunidade compete e importa conservá-lo, aumentá-lo, melhorá-lo e transmiti-lo aos seus sucessores; é este o processo que conduz à opulência literária e científica das na­ções. Com a nossa literatura médica é de se esperar que suceda o mesmo, e como ela; à imprensa profissional que a alimenta e propaga, como condição indeclinável de sua própria existência e da sua transmissão às gerações futuras. "

Senhores, por que fracassamos?

Por que nós, baianos, justamente nós que possuíamos a pri­meira Faculdade de Medicina do Brasil, berço sagrado das maio­res tradições da nossa pátria;

Por que nós, baianos, justamente nós que possuíamos a pri­meira Revista Médica da América Latina, revista considerada, dentro e fora do país, como uma das mais qualificadas do século, revista que nossos antepassados publicaram durante quase 80 anos, sem interrupção, revista que agasalha em suas páginas nossas mais belas e inesquecíveis glórias;


Por que nós, baianos, não somos capazes de restaurar dois tesouros tão preciosos?


Por que deixamos ruir a nossa faculdade, por que a deixa­mos em completo abandono?

Por que deixamos morrer a "Gazeta Médica da Bahia", e nem sequer dela nos lembramos?

Será que temos menos fibra, será que somos menos capa­zes do que os médicos de antigamente?

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

1 ALVES DOS SANTOS, Malachias. Memória Histórica da Fa­culdade de Medicina da Bahia referente ao ano de 1854 ­Bahia, 1855.

2 PEREIRA, Antonio Pacífico. Memória Histórica sobre a Medici­na na Bahia. Imprensa Oficial do Estado. Bahia, 1923.

3 FREIRE DE CARVALHO FILHO, José Eduardo. Notícia Histó­rica sobre a Faculdade de Medicina da Bahia. Tipografia Bahiana de Cincinato Melchiades. Bahia, 1909.

4 FREIRE, Oscar. Dois Anatomistas da Bahia, esquecidos. Ga­zeta Médica da Bahia, vol. XLIX, n° 1 , julho de 1916 - Bahia, 1917.

5 ARANHA DANTAS, Manoel Ladislau. Memórias Históricas da Faculdade de Medicina da Bahia relativas ao ano de 1855 - Bahia, 1856.

6 SÁ DE OLIVEIRA, Eduardo. Memória Histórica da Faculdade de Medicina concernente ao ano de 1942 - Centro Editorial e Didático da Universidade Federal da Bahia. Bahia, 1992.

7 BLACKE, Nascimento. Dicionário Bibliográfico Brasileiro, 4° volume - Rio, 1898.

8 TEIXEIRA, Rodolfo. Gazeta Médica da Bahia. Anais da Acade­mia de Medicina da Bahia, vol. 2, Julho 1979 - Bahia, 1979.

9 CONI, Antônio Caldas. A Escola Tropicalista Bahiana. Tipogra­fia Beneditina Ltda. - Bahia, 1952.

10 AMARAL, Braz do - Gazeta Médica da Bahia, vol. XLI, n° 8, Fevereiro de 1910. Bahia, 191

11 NOVIS, Aristides. Discurso por ocasião do lançamento da pri­meira pedra do Pavilhão Silva Lima, do Hospital Santa Isa­bel. Gazeta Médica da Bahia, vol. 56, n°s 8 e 9 - fevereiro e março de 1926. Bahia, 1926

12 PEREIRA, Antônio Pacífico. Esboço Histórico da Fundação da Gazeta Médica da Bahia. Gazeta Médica da Bahia, vol. XLIX, n° 1 - Bahia, 1917.

13 LIMA, Lamartine. A Escola Médico-Legal da Bahia - discurso pronunciado em agosto de 1994, na instalação de espaço didático e cultural da Universidade Federal da Bahia, convê­nio com o departamento médico-legal da Secretaria da Se­gurança Pública. Bahia, 1994.

14 TORRES, Otávio. Esboço histórico dos acontecimentos mais importantes da vida da Faculdade de Medicina da Bahia (1808 a 1946) - Imprensa Vitória -Bahia, 1946.

 

 

 

 




sexta-feira, 10 de outubro de 2014

NINA RODRIGUES


NINA RODRIGUES
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Raimundo Nina Rodrigues nasceu em 4 de novembro de 1862, na cidade de Vargem Grande, no Maranhão, sendo seus pais Francisco Solano Rodrigues e Luísa Rosa Nina Rodrigues.
Cresceu  sob os cuidados de uma madrinha, que ajudava sua mãe nos afazeres domésticos.
Estudou no Colégio São Paulo e no Seminário das Mercês, em São Luís Era, nesta época, uma criança franzina, irritadiça, e de saúde frágil.
Em 1882, veio para Salvador e  matriculou-se na Faculdade de Medicina da Bahia, onde estudou até 1885,  quando se mudou para o Rio de Janeiro e concluiu o quarto ano médico. Voltando para a Bahia no ano seguinte, escreveu seu primeiro artigo, sobre a lepra no Maranhão.
Trminou o curso no Rio de Janeiro, defendeu sua tese de doutoramento sobre amiotrofia de origem periférica e voltou para São Luís, onde clinicou com consultório na “Rua do Sol” (hoje, “Rua Nina Rodrigues”). Em 1889, hostilizado pelos médicos locais por atribuir à má alimentação problemas de saúde da população carente da região onde vivera, resolveu fugir do provincianismo e adotar definitivamente  a Bahia como morada
Na capital baiana encontrou ambiente favorável às suas pesquisas sociais, herdadas da antropologia criminal do médico italiano Cesare Lombroso e, é claro, do positivismo sociológico penal.  Aqui, neste ambiente propício aos seus estudos e pesquisas, dedicou-se, também, ao atendimento dos mais desfavorecidos, pelo que foi chamado "o doutor dos pobres".
Seu progresso foi impressionante: em 6 de setembro de 1888, após concurso, foi nomeado professor adjunto da 2ª Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Bahia. Em 4 de março do ano seguinte, passou a lente substituto de Higiene e Medicina Legal e em 21 de fevereiro de 1895, após concurso, foi nomeado professor catedrático de Medicina Legal.
Da sua alentada bibliografia, constam livros e artigos sobre diversos  assuntos, de modo especial Medicina Legal, Antropologia, Psicologia e Sociologia.
Aceito membro de várias associações científicas internacionais, colaborou  em periódicos científicos europeus e norte-americanos. Foi redator  dos Arquivos de Psiquiatria, de Buenos Aires e Vice-Presidente da Sociedade de Medicina Legal de New York.
Trabalhando na interseção de dois saberes, o médico e o jurídico, Nina Rodrigues constituiu e institucionalizou – através de procedimentos especificamente médico-legais, aceitos como cientificamente confiáveis por médicos, advogados e policiais – uma nova especialidade médica brasileira, a Medicina Legal. Utilizando a metodologia científica mais avançada de sua época, ele foi um dos pioneiros da Antropologia brasileira, pelos seus estudos sobre religião, genealogia, língua e mitologia dos negros afro-brasileiros. Estes trabalhos, sobretudo, e sua atividade como professor e pesquisador, trouxeram-lhe notoriedade nacional e internacional “ (2).
Possuidor de sólida e diversificada cultura, , o Prof. Nina Rodrigues marcou época. Seus estudos pioneiros sobre antropologia, versando sobre crenças, mitos e valores dos afro-brasileiros, tiveram grande repercussão no cenário médico mundial” (Ibidem).
O Instituto Médico Legal que hoje tem o seu nome, foi, sem dúvida, a mais viva das  suas aspirações.
Suas pesquisas sociais causaram certa reação na mentalidade acadêmica. “Nina está maluco! Frequenta candomblés, deita-se com inhaós e come a comida dos orixás”, diziam alguns colegas da Faculdade.
Em janeiro de 1905, um incêndio destruiu parte da Faculdade de Medicina e o laboratório de Medicina Legal, lugar de trabalho de Nina Rodrigues. Segundo o Diário da Bahia, foram destruídos “diversos trabalhos seus, de importância científica; trabalhosa coleção de ossos humanos, cerca de 50, medidos e tratados; a cabeça de Antonio Conselheiro, o crânio de Lucas da Feira, além de uma outra coleção de crânios escolhidos, o que foi enormíssima perda” (5).
Em 1909, iniciou uma viagem á Europa.
"Na noite da chegada em Lisboa, a 17 de maio de 1906 – diz Nogueira Brito – e estando hospedado no Hotel de Inglaterra, teve o Dr. Nina Rodrigues uma hemoptise leve. No dia 19, promoveu-se uma conferência de médicos lisbonenses. A hipótese de tuberculose foi afastada, “pelo fato dos pulmões ficarem transparentes sob a ação dos raios X.  A 9 de junho, chegou o Dr. Nina Rodrigues a Paris, para saber o parecer de facultativos daquele país” ( 2 ).
Faleceu na capital francesa,  a 17 de julho de 1909.
FONTES BIBLIOGRÁFICAS:
 
1.       Freire de Carvalho Filho, José Eduardo – Notícia Histórica sobre a Faculdade de Medicina da Bahia. Salvador, 1909.
2.       Nogueira Brito, Antônio Carlos – A morte e o sepultamento de Nina Rodrigues. Disponível em  http:// www.istoriae cultura .pro.br/cie/lugaresdememoria/faculdadedemedicinadabahia,htm. Acesso em 26 de novembro de 2009.
3.       Ribeiro, Marcos A.P. – A morte de Nina Rodrigues e suas repercussões.Disponívelhttp://www.afroasia.ufba.br/pdf/afroasia_n16_p54.pdf  Acesso em 26 de novembro de 2009.
4.  Sá Oliveira, Memória Histórica da Faculdade de Medicina da Bahia, concernente ao ano de 1942. Salvador, 1992.
5.  Sociedade Brasileira de História da Medicina. Raimundo Nina Rodrigues. Disponível em http:WWW.sbhm.org.br/índex.asp?p=medic_view&código=200. Acesso em 26 de novembro de 2009.