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By Ferramentas Blog

domingo, 17 de abril de 2011

JOIAS DA INTERNET- FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA

VISITE SALVADOR
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FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA
Margarida de Souza Neves

COMEMORAÇÃO DOS 200 ANOS DA FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA
  
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            No coração do centro histórico de Salvador, o Terreiro de Jesus (foto 1), próximo ao Pelourinho, pode revelar ao visitante muito da história da cidade e da lógica da sociedade colonial.  Nela, vizinho da Sé, um grande prédio hoje de um rosa desbotado e sempre em restauração (fotos 2, 3 e 4) divide a praça com a Catedral, com a Igreja de São Pedro dos Clérigos e com a Igreja de São Domingos, a dois passos da  Igreja do Rosário dos Pretos que reina no Pelourinho, da Igreja de Sant’Ana, da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco e da  igreja recoberta de ouro do Convento de São Francisco
A seu modo, o imenso prédio rosa é também um templo.  Essa analogia não passou desapercebida ao Vice Presidente do Instituto Bahiano de História da Medicina e Ciências Afins, professor Antonio Carlos Nogueira Britto, que assim concluiu a conferência que fez no Anfiteatro Alfredo Britto no dia 18 de fevereiro de 2003, por ocasião da comemoração dos 195 anos de Ensino Médico na Bahia:
Atentai, ó vós que estais a pisar este chão.
Este chão é sagrado.
Este chão, este solo, esta terra são ungidos, são consagrados, são abençoados pelos deuses da Medicina.
Este é o chão do Santuário da Medicina primaz do Brasil.[1]
Os trabalhos da memória fizeram do edifício do Terreiro de Jesus um templo do saber médico e da ciência no Brasil. Ali, antes da expulsão dos jesuítas de Portugal e suas colônias, ficava o Colégio da Companhia de Jesus e nele, já transformado em Hospital Real Militar da Bahia, instalou-se por Decisão Régia de 18 de fevereiro de 1808 a Escola de Cirurgia da Bahia, primeira escola médica do Brasil.  Em 1816 se transformaria na Academia Médico-Cirúrgica da Bahia para tornar-se, em 1832, a Faculdade de Medicina da Bahia, em 1891 a Faculdade de Medicina e Farmácia da Bahia, voltar a ser em 1901 a Faculdade de Medicina da Bahia (fotos 5, 6, 7 e 8) e, quando as Universidades passaram a aglutinar as faculdades isoladas, tornou-se a Faculdade de Medicina da Universidade da Bahia, em 1946, até chegar a hospedar, em 1965, algumas dependências da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia.
De forma análoga às igrejas com quem dialoga no Terreiro de Jesus, o velho prédio que a cidade se acostumou a ver como a Faculdade de Medicina da Bahia, por mais que a Faculdade ocupe novas instalações no Canela desde 1918, transformado em Memorial da Medicina,  abriga hoje como abrigou em outros tempos relíquias da história da medicina na Bahia e no Brasil (fotos 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15 e 16),  imagens dos grandes vultos da medicina baiana (fotos 17, 18, 19, 20 e 21), o sancta sanctorum da elite médica baiana (fotos 22 e 23) e alguns dos suportes físicos que serviram aos rituais acadêmicos de outrora (fotos 24, 25 e 26).   
Ainda hoje alguns desses rituais ali se celebram, quer porque ali se realizem as sessões solenes da Academia de Medicina da Bahia (foto 27), quer porque desde março de 2004 o prédio voltasse a abrigar a diretoria e a secretaria geral da Faculdade de Medicina da Bahia e os programas de extensão por ela organizados, quer ainda porque, a cada mês de dezembro, as turmas de médicos que comemoram o aniversário de sua formatura percorram, reverentes como em uma procissão, seus corredores (foto 28) e salões após a missa festiva na Sé.
Lugar de memória da medicina, do saber médico e do prestígio social dos médicos na sociedade brasileira, na sua arquitetura atual, resultado da reconstrução feita após o incêndio de 1905, emula, por um lado, os templos clássicos com suas inumeráveis colunas dóricas e jônicas (foto 29) e, por outro, as absides das igrejas cristãs na rotunda onde se instalou o anfiteatro (foto 30).   Seu mobiliário (fotos 31 e 32), seus ornamentos (foto 33) e os objetos que guarda (foto 34)  permitem que o visitante vislumbre fragmentos do passado de glória do lugar que se vê e é visto como o berço da medicina no Brasil.  Sua monumentalização no imaginário da cidade de Salvador e naquele dos cientistas do Brasil revestiram o velho prédio da função de lugar fundacional e de toda a carga simbólica que costuma a acompanhar esses espaços.  Por isso é o Memorial da Medicina, sem uma especificação que o remeta à cidade de Salvador ou mesmo à Bahia: é, por excelência, o Memorial da Medicina no Brasil.
O Memorial abriga ainda um Arquivo (foto 35), que conserva um material precioso, composto, sobretudo, de teses defendidas desde o século XIX (foto 36), de matrículas dos alunos, cadernetas, atas de concursos, e atas das sessões da Congregação da Escola Médica.  Nele,  os funcionários atendem os pesquisadores com uma disponibilidade que vai muito além do profissional e com uma cordialidade que é marca de identidade dos baianos.
   Ainda que de forma menos perceptível ao visitante, o prédio rosa de hoje é também um lugar de memória do descaso para com a ciência no Brasil (foto 37).  Esse descaso se manifestou tragicamente quando, na noite do dia 2 de março de 1905, um incêndio que poderia ter sido controlado, segundo a imprensa da época, caso os bombeiros tivessem sido mais eficientes e melhor aparelhados,   destruiu completamente a Biblioteca e algumas dependências da Faculdade, inclusive o Gabinete de Medicina Legal dirigido por Nina Rodrigues.  Perderam-se então os 22.000 volumes da mais preciosa Biblioteca Médica do país.  Foi assim também em outubro de 1951, quando outro incêndio destruiu o pavilhão da frente da Faculdade de Medicina da Bahia.  E, se os dois incêndios podem ser tidos como fatalidades, o mesmo não se pode dizer do que a incúria permitiu que sucedesse, em nossos dias, com a biblioteca  reconstituída  depois do incêndio de 1905 graças às doações feitas por professores, por particulares e por instituições[2].
Abandonada, a Biblioteca (fotos 38 e 39) viu seu telhado ruir, o mobiliário perder-se pela ação da chuva bem como uma parte significativa dos livros, alguns deles muito antigos.  Como tantas vezes acontece, depois do desastre consumado, foram tomadas providências e um investimento significativo foi destinado à restauração do que ainda possa ser recuperado.  Uma pequena equipe de bibliotecários, restauradores e estagiários dedica-se a essa tarefa, em salas sem ventilação, e – ao menos até dezembro de 2005 - sem os equipamentos necessários para um             trabalho profissional sério.  Quando da recente visita de um Ministro de Estado às obras de restauração, em lugar de expor as reais necessidades de equipamentos e de pessoal especializado, o que foi mostrado foram os livros já higienizados e recuperados, mas não o subterrâneo irrespirável onde se amontoam milhares de livros ou o galpão vizinho a uma carpintaria, de portas abertas para um pátio interno por onde circula quem quiser e com as vidraças das janelas quebradas, repleto de livros, teses, periódicos científicos e de sacos e mais sacos de lixo com livros irrecuperáveis, alguns deles preciosos, fossilizados pela ação da chuva e do calor na antiga biblioteca ou carcomidos pelas traças.
Mais grave ainda: a monumentalização do velho edifício rosa que um dia abrigou a Faculdade de Medicina da Bahia e a grandiosidade de seus salões e corredores fez com que suas dependências se tornassem um ponto cobiçado para grandes festas da capital baiana.  No dia em que visitei os trabalhos de restauração dos livros, em dezembro de 2005, preparava-se ali uma grande festa de casamento.  Na parede que separava uma das salas vazias daquela que guarda, sem climatização, os livros já recuperados e higienizados, alinhavam-se nove botijões de gás, conectados a fogões onde seriam preparados os pratos que, mais tarde, seriam servidos na festa.  E não é difícil imaginar que, no dia seguinte a uma dessas festas, restos de comida sejam encontrados dentro da sala dos livros salvos.
            Esperemos que não tenhamos de lamentar outro desastre.  E, se não for demais, esperemos também que o projeto de recuperação do que restou da biblioteca não adormeça ao ritmo da burocracia do serviço público.  As paredes do casarão do Terreiro de Jesus não guardam apenas relíquias mortas da história da medicina e da ciência no Brasil.  Os livros, as teses médicas, os manuais e os periódicos científicos que um dia estiveram na Biblioteca não guardam apenas informações que interessam aos eruditos: são parte substancial da identidade da ciência no Brasil, porque são memória viva, e como tal deveriam ser cuidados.
FONTES BIBLIOGRÁFICAS:
[1] - Antonio Carlos Nogueira BRITTO. 195 anos de Ensino Médico na Bahia.  IN www.medicina/ufba/br consultado em 30 de dezembro de 2005.   Nos muros da antiga faculdade de Medicina da Bahia o trecho foi reproduzido em bronze
[2] - cfr. Antonio Carlos Nogueira BRITTO. O incêndio da Faculdade de Medicina da Bahia em 1905.  IN www.medicina/ufba/br  consultado em 02 de Janeiro de 2006.








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