English French German Spain Italian Dutch
Russian Portuguese Japanese Korean Arabic Chinese Simplified
By Ferramentas Blog

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

AVULSO- ALEXANDRE LEAL COSTA

 SINCERO AGRADECIMENTO AOS

MÉDICOS E ESTUDANTES DE MEDICINA DE

PORTUGAL PELO INCENTIVO AO

DESENVOLVIMENTO DESTE

BLOG
 
PARQUE DAS NAÇÕES
LISBOA, PORTUGAL
http://www.google.com.br/images?hl=pt-br&source=imghp&biw=1362&bih=595&q=lisboa+moderna&btnG=Pesquisar+imagens&gbv=2&aq=f&aqi=&aql=&oq=
*
AOS AMIGOS DO EXTERIOR
 
MOSCOW, RÚSSIA
 
http://www.google.com.br/images?hl=pt-br&biw=1362&bih=595&gbv=2&tbs=isch%3A1&sa=1&q=MOSCOW&btnG=Pesquisar&aq=f&aqi=g10&aql=&oq
 
BEIJING, CAPITAL DA CHINA
 
http://www.google.com.br/images?hl=pt-br&biw=1362&bih=595&gbv=2&tbs=isch%3A1&sa=1&q=BEIJING&btnG=Pesquisar&aq=f&aqi=g10&aql=&oq=
 
*

AVULSO- ALEXANDRE LEAL COSTA
                Conferência pronunciada na Academia de Medicina da Bahia

Gerealdo Leite

É
 É com justificável honra e compreensível emoção que uso da palavra para reverenciarem nome da ACADEMIA DE MEDICINA DA BAHIA – uma das expressões mais gloriosas da Cultura.  Refiro-me ao saudoso confrade, mestre e amigo, ALEXANDRE LEAL COSTA.
Para alguns a cultura é a resultante de condições físicas e biológicas peculiares. Para outros cultura é alguma coisa mais ampla e multiforme, tal como a língua, a literatura, a arte, o folclore, e as letras. De qualquer modo a cultura, aqui e alhures, hoje como ontem, agora como amanhã e sempre, tem sido, é e continuará a ser mais nobre que a Erudição.
A cultura forma, a erudição informa. A cultura aprofunda, a erudição espraia. A cultura tem sede de inteligência, a erudição a dispensa e repele. O erudito estuda por vontade e persistência. É um ledor sem rumo e sem trégua, um viciado nos livros porém carente de senso de crítica ou de opinião. É por determinismo uma criatura incapaz de discernir entre o Bem e o Mau, entre o Falso e o Verdadeiro. O culto, ao contrário, é um  homem que estuda de maneira racional e lógica. É uma criatura comedida que busca o Saber com paciência, com objetividade  e pragmatismo. É um ledor seletivo, um ledor que sabe o que é supérfluo, que reconhece o que lhe convém. É um homem de intelecto privilegiado, sem excesso nem exagero, dotado de senso e de opinião. É um ser autentico e espontâneo, quase sempre introvertido, modesto e tímido, rico de conhecimentos e de muita tolerância e compreensão.
ALEXANDRE LEAL COSTA foi, por todos os motivos, durante sua vida, um exemplo de cultura e não de erudição. Culto ele foi, de modo muito singular, nas ciências como na Educação, na Botânica e na Parasitologia, na Micologia, na Microbiologia, na Política e na Administração.
Abençoado exemplo de Cultura, cultura ampla e sólida, profunda e abrangente, sempre atual e palpitante, simples e espontânea! Vida trepidante e bela, plena de sonhos e de realizações. Trajetória norteada desde o início para o alto, numa busca constante do Belo, do Justo e da Perfeição!
Nasceu em 11 de abril de 1907 na Vila da Conceição do Norte, no Estado de Goiás, e alí viveu durante toda a infância. Numa pequenina escola, de parentes seus, na Vila de São José do Duro, foi iniciado nas primeiras letras e ali ficou até que Cassiano Costa e D.Anísia – seus honrados progenitores ­­­– forçados por razões políticas, se transferiram com os nove filhos para Barreiras, em longa e penosa viagem no costado de animálias. Ali, nas margens do Rio Grande, afluente do São Francisco, completou ALEXANDRE, na Escola Pública, o curso primário.
Disse EUCLIDES DA CUNHA que o Rio São Francisco oferecendo aos exploradores duas entradas únicas, uma no nascente e outra na foz, levando os filhos do Norte ao encontro dos filhos do Sul e os do Oeste distante aos braços dos que vivem nas margens do oceano, erigiu-se desde o início  da nossa História como  um unificador étnico, um longo traço de união entre sociedades díspares que não se conheciam. Realmente, senhores, “vedado nos caminhos diretos e normais à costa, mais curto porém interrompido pelos paredões das serras ou truncado pelas matas, o acesso fazia-se, e exclusivamente, pelo rio da unidade nacional!”
ALEXANDRE não fugiria à regra. Com doze anos subiu o Rio Grande, chegou ao São Francisco, singrou a grande via e aportou em Juazeiro. Dali, em um pequeno trem, n’uma “Maria Fumaça”, buscou o litoral vendo embevecido, totalmente às avessas, o contraste maravilhoso que EUCLIDES DA CUNHA descreveu em “Os Sertões”: zonas claramente distintas que se superpõem de modo inusitado, abrigando no seu íntimo certas modalidades que ainda mais as diversificam. No desenrolar da viagem, sobre trilhos e dormentes, numa velocidade que para ele era uma disparada louca, viu o jovem estudante perpassarem por seus olhos habitats variados. Sua nascente inclinação pelas ciências naturais foi despertada, de modo exuberante. No êxtase daquele transcurso recordou por certo as páginas vivas e ainda trepidantes, saídas da lavra do grande escritor
O rapazola, diz GALENO MAGALHÃES, “saudoso do aconchego do lar paterno, cansado dos dias da prolongada viagem, assombrado com as carrancas dos barcos franciscanos, deslumbrado com as belezas naturais que viu e as cantigas sonolentas e cadenciadas dos margeantes que ouviu, chega afinal a Salvador”. Interna-se no Colégio Antônio Vieira, entre livros e estudo, perquirição e labor. Faz um curso brilhante e se destaca dentre os colegas, desde o início, como o primeiro. Aprimora cada vez mais o aproveitamento e a conduta, modela o espírito, plasma com afinco sua cultura, alicerça o caráter e se prepara para a luta. É a águia que experimenta as asas para o vôo!
Concluídos os estudos secundários, submete-se aos exames preparatórios no Ginásio da Bahia, em fins de 1924.
Transpõe o obstáculo e recebe como prêmio a maior distinção concedida pelos padres do Antônio Vieira: uma viagem à Europa !
O adolescente vara o Atlântico. Deixa a Bahia e contempla o Velho Mundo. Um imenso horizonte se descortina. museus, documentos da História, palácios e monumentos. peças inauditas. Conhece a Pré-História e se fascina com as ciências biológicas, físicas e naturais. Tem enfim, pela vez primeira, uma visão global da cultura!
Pouco depois – no início de 1925 – volta ao Brasil. A águia pousa de novo em seu ninho: a Bahia. Pressuroso e ávido, procura o Padre Torrend a quem revela seu deslumbramento, seus planos e ambições.
Quase ao término de sua vida, em magistral conferência que pronunciou durante as comemorações do primeiro centenário do grande naturalista, disse ALEXANDRE LEAL COSTA: “Chegado ao Colégio Antônio Vieira em 1920, vindo do alto sertão, aos 12 anos de idade, tímido e desorientado, em ambiente estranho, tive no Padre Torrend nos cinco anos de internato, de logo como Diretor Espiritual e depois também como Professor, o amigo e o guia seguro, a quem devo o pouco que dentro de minhas limitações me foi dado assimilar de seus ensinamentos e orientação. Egresso do Colégio, jamais dele me afastei durante a vida acadêmica, nem depois na vida profissional, pois, talvez motivado pelo seu convívio, enveredara nesta pelo campo das Ciências Naturais, quer, de início como professor de Ciências Biológicas, em estabelecimentos de ensino secundário, quer dedicando-me ao estudo e ao ensino da Microbiologia, da Parasitologia e da Botânica na Universidade”.
Os dois gigantes se atraem, se completam e se entendem. A partir do seu regresso da Europa, ALEXANDRE bebe, cada vez mais, os conhecimentos profundos que emanavam daquela excelente criatura. “Especialmente na Botânica – confessa o próprio ALEXANDRE – dele recebi sempre a mais assídua e proveitosa assistência, particularmente na área da Taxonomia, com a qual se tornara tão familiar. Com ele também participei de Comissões de Trabalho. Por sua indicação, em 1940, lecionei Microbiologia na Escola Agrícola do Estado, onde também ele era professor. Sob seu comando, com outros companheiros, fundamos a Sociedade Baiana de História Natural. Porém, mais do que essas atividades formais, teve significação para mim o convívio despretensioso do dia a dia, por quatro décadas, sempre que as circunstâncias o permitiam, dentro de nossas ocupações absorventes.”
Data desta época, isto é, de 1925, um maior entendimento espiritual e científico entre as duas grandes expressões de nossa Cultura. O jovem viveu cada vez mais na dependência e sob o influxo do grande amigo. “Além de exímio cultor das Ciências Naturais – escreveu muitos anos depois ALEXANDRE – foi o Padre Torrend , antes de mais nada, o Apóstolo do Evangelho, o educador e formador  de almas. Sob esse aspecto de sua personalidade, por ele mesmo considerado o mais importante, ouvimos certa vez a palavra autorizada do seu discípulo direto e, como ele, Ministro do Senhor, o Padre Mohama. Cabe-me dizer tão algo sobre o estudioso da Natureza, o naturalista, que via na Ciência apenas mais um motivo de reconhecer e glorificar a Onipotência Divina”.
ALEXANDRE, dia após dia, mês após mês, ano após ano, durante toda a vida acadêmica, de 1925 a 1930, conviveu e admirou o Padre Torrend e a Medicina. O grande jesuíta, naquele momento com pouco mais de cinqüenta anos, havia chegado à Bahia nos idos de 1914, seguindo logo depois, em viagem de estudo, para o Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, coletando material, especialmente no campo da Micologia e da Fitopatologia. Excursionou depois no Maranhão, onde se dedicou ao estudo da cultura e das doenças do algodoeiro. No ano de 1916 deslocou-se para o sudeste da Bahia, onde se fixou na flora local, colhendo fungos e fazendo observações sobre o ambiente. Tal experiência foi ampliada no ano seguinte até a região de Ilhéus e Itabuna, onde estudou as doenças dos cacauais. No final de 1918 e início de 1919 o Padre Torrend viajou por terra, visitando o nordeste semi-árido, de Salvador até Fortaleza, quando estudou a flora, a geologia e a biologia daquela área. Esteve em seguida na Cachoeira de Paulo Afonso, em companhia de outro sábio baiano, o Prof. PRAJÁ DA SILVA (descobridor do Schistosoma mansoni )  quando juntos observaram a flora e a geologia. Idênticos estudos efetuou nos anos seguintes, até 1925, no interior do Paraná e da Bahia. Interessou-se com especial carinho por Canavieiras e pela Chapada Diamantina,  especialmente pela Gruta de Brejões, bem como por Jacobina e Morro do Chapéu. Ali, nos dois últimos municípios, perquiriu as inscrições rupestes interpretadas como vestígios de roteiros de antigos bandeirantes.
ALEXANDRE, sem esquecer seus estudos, acompanha com vivo interesse os passos do seu mestre. De 1925 a 1929 analisa vasto material colhido pelo Padre Torrend, o qual excursiona o Estado de Goiás. Interessa-se pelos mistérios e pela lenda das minas de Robério Dias. Em 1928 é atraído pelas viagens que o sábio jesuíta realiza aos Estados do Norte (de Sergipe ao Amazonas) e do Sul (Rio de Janeiro, Minas e São Paulo).
Para ALEXANDRE as atividades do Padre Torrend podem ser assim sintetizadas: na Europa, de 1902 a 1913, foi um naturalista mais dedicado à Botânica, tendo particular interesse pela Micologia. Chegando ao Brasil, esforça-se para desvendar os segredos do novo e empolgante ambiente tropical. Sem desprezar seus antigos pendores pela Micologia, passa ao estudo da Natureza sob todos os aspectos: a flora em geral, as plantas de interesse econômico, espontâneas ou cultivadas, a fitopatologia, a geologia, a mineralogia.
Em viagens constantes, observa e coleta farto material de estudo. ocasionalmente, como ele mesmo diz em sua autobiografia, os retiros e pregações se enxertam nas suas andanças. A partir de 1918 e durante cerca de dez anos, viajou  pelo Brasil, sempre a chamado para pregar retiros e dirigir paróquias. Nesta fase de sua existência há uma preponderância do seu apostolado, acompanhado todavia de estudos e observações sobre as Ciências Naturais”.
No final da vida acadêmica de ALEXANDRE LEAL COSTAisto é, de 1928 a 1930 – o Padre Torrend começou a viver mais tempo com a mocidade, o clero e as comunidades religiosas. A pregação, os retiros, passam a constituir o motivo principal, senão único, de suas viagens.
Foi nesse período, no ano de 1930, que ALEXANDRE se aproximou de BEATRIZ, sua futura esposa. Conheceram-se em Barreiras, em 1925 e casaram-se em 1935. Os pais de BEATRIZ eram amigos dos pais de ALEXANDRE, sendo o consórcio fruto natural e espontâneo daquele convívio.
Durante a época em que cursou a Faculdade de Medicina, ALEXANDRE freqüentou o Hospital do Isolamento onde exerceu com dedicação o cargo de Interno. Lecionou várias disciplinas do curso secundário, quer em estabelecimentos de ensino, quer a domicílio (na qualidade de “explicador”).
Concluído o aprendizado médico, apresentou e defendeu, em março de 1931, perante a Congregação, tese sobreDOENÇA DE PIRAJÁ DA SILVA MANSON’. Aprovado com distinção, recebeu no mês seguinte o título de Doutor em Ciências Médico-Cirúrgicas.
Recém-formado, inicia a clínica. Como inspetor de uma Companhia de Seguros, teve oportunidade de excursionar freqüentes vezes ao interior do Estado, ocasião em que, não esquecendo seus deveres de inspetor, satisfazia sua inclinação, examinando com grande interesse a fauna e a flora de diversas regiões. Colhia, eventualmente, farto material muito útil para ele e o Padre Torrend.
Na capitalcomo disse com acerto GALENO MAGALHÃES – difundia o saudoso confrade seus variados conhecimentos aos jovens e durante anos ensinou, em colégios diversos, Matemática e História Natural.
Casado, instalou-se no antigo prédio do jornal “A TARDE’, à praça Castro Alves, onde exerceu com rara competência a Patologia Clínica durante mais de quarenta anos. O presidente desta ACADEMIA DE MEDICINA, o eminente Professor José Silveira, cujo nome é um orgulho para o Brasil, o introduziu e o apresentou ao seu seleto círculo profissional, dando ao moço ALEXANDRE o qualificativo que merecia. A amizade e a confiança profissional do mestre Silveira foi um fator decisivo para o êxito de ALEXANDRE como analista pois este, como é notoriamente sabido, sempre foi, como todo o sábio, muito tímido e precavido.
Antes do matrimônio ALEXANDRE havia iniciado sua carreira universitária. Doutor em Medicina em 1931, passou dois anos depois a Assistente de Microbiologia. Em 1934 conquistou, por meio de brilhante concurso, a Docência Livre de Parasitologia. No ano seguinte galgou a cátedra de Zoologia e Parasitologia da Escola de Farmácia. Em 1936 assumiu a Assistência e a Chefia do Laboratório de Parasitologia.
Sua trajetória empolgou a Faculdade de Medicina, durante quatro décadas. Ela inclui, dentre outros, os seguintes títulos: Assistente de Terapêutica Clínica, Assistente de Microbiologia, Livre Docente de Parasitologia, Docente Livre de Terapêutica, Professor Adjunto de Terapêutica Clínica, Professor Catedrático de Parasitologia (por concurso), Professor Titular de Parasitologia, Chefe de Departamento, Membro de diversas Comissões de Concursos para Professores Assistentes, Professores Adjuntos, Professores Titulares e Livres Docentes.
Em outras unidades da Universidade Federal da Bahia desempenhou ALEXANDRE LEAL COSTA, com raro brilhantismo, a carreira docente, sempre no mais alto grau, quer no Instituto de Ciências da Saúde, quer no Instituto de Biologia (onde foi Diretor), na Faculdade de Filosofia, quer na Escola de Enfermagem.
Pontificou de igual modo na Universidade Católica do Salvador, na Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública e na Escola de Enfermagem, ensinando em todas elas Parasitologia.
Tendo de assumir, em tempo integral, a direção do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia, afastou-se da Cadeira de Parasitologia da Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública, quando -  por indicação sua – tive a honra de substituí-lo durante trinta e um anos.
Homem dedicado aos problemas educacionais, ALEXANDRE foi escolhido para membro titular do Conselho Estadual de Educação, quando aquela egrégia corte foi criada, no governo do Dr. Lomanto Júnior. Durante três governos sucessivos foi reconduzido ao mesmo Conselho, pelos Governadores Luiz Viana Filho, Antônio Carlos Magalhães e Roberto Santos. A morte o surpreendeu como presidente do Conselho, cargo que exerceu várias vezes por escolha de seus pares. Na condição de presidente do Conselho Estadual de Educação representou a Bahia em quase todos os Congressos e Reuniões promovidos pelo Ministério da Educação e Cultura.
Como administrador revelou ALEXANDRE tirocínio e probidade a toda prova. Sua honradez não conhecia limites. Cargos diversos, dentro e fora do âmbito universitário, ocupou o saudoso mestre. Foi Secretário de Saúde do município do Salvador, Vice-Reitor da Universidade Federal da Bahia, Diretor do Instituto de Biologia, Presidente do Conselho Estadual de Educação e Presidente da Câmara de Graduação. Nestes e em outros postos de comando não desmereceu o alto valor da sua pessoa nem a proverbial tradição do seu nome.
Como cientista foi dos mais proeminentes. Dedicou-se sobretudo a Botânica mas excursionou em outros campos das Ciências Biológicas. Na Patologia Clínica, na Microbiologia, na Parasitologia, na Medicina Tropical, na Patologia Regional, pontificou com rara nobreza e excepcional segurança. Quem de vós desconhece seus estudos sobre esquistosomíase  mansônica, helmintíases , protozoários   diversos  e, de modo especial, Trypanosoma cruzi ?  Quem de vós ignora suas pesquisas sobre esquizomicetos patogênicos, plantas medicinais, vegetais inferiores e, de modo geral, Botânica Aplicada ? Disse a esse propósito o Padre JOSÉ PEREIRA, seu particular amigo: “Bacteriologista por ofício, botânico e sistemata por amor. A uma e outra especialidade se dedicou com desinteresse e afinco. Deixou atrás de si o exemplo profícuo de como se deve trabalhar, em qualquer circunstância. Se encontrava um bom microscópio, iniciava a pesquisa. Caso contrário, trabalhava com outro. Se não havia pipetas de Pasteur, improvisava algumas, distendendo o vidro ao bico de Bunsen e cortando-o com um fio de algodão embebido em álcool incendiado “.
Com que amor, com que interesse e entusiasmo sempre o vi, anos a fio, desde 1964, na Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia e na Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública, no Instituto de Ciências da Saúde e no Instituto de Biologia ? Instado por ele, não relutei em abandonar minha clientela em Feira de Santana, mesmo porque URCÍCIO SANTIAGO, meu grande amigo desde 1960, havia me indicado como seu Assistente na Escola Baiana de Medicina. Sob o influxo de URCÍCIO SANTIAGO, ALEXANDRE LEAL COSTA e ALBERTO SERRAVALLE, cerrei meu consultório de Patologia Clínica na “Cidade Princesa” e me mudei para a capital onde, durante seis anos, trabalhei também como Professor Assistente de Parasitologia  em ambas as Faculdades de Medicina.
Quantas e quantas vezes deixei o meu laboratório para ouvir, embevecido, suas aulas magníficas ? Quantas e quantas vezes o substitui no Anfiteatro ?  A princípio ele me avisava com cautelosa antecedência, dizendo-me o dia e o assunto que eu deveria abordar. Pouco a pouco porém, num crescendo que me assombrava, foi o mestre acompanhando os meus passos e, à medida em que criava confiança em mim, diminuía o intervalo entre as solicitações até que começou a mandar que o substituísse poucos minutos antes do início da aula. Eu o obedecia e, para surpresa de todos, ALEXANDRE aparecia no Anfiteatro, sentava-se entre os alunos e ouvia, com religiosa atenção, a aula que eu proferia. Depois, quando os discípulos se retiravam, ele analisava meu desempenho, oferecendo sugestões que até hoje acolho com o maior carinho.
Guiou meu trajeto com inusitado interesse. Quando julgou acabada a preparaçãoeu me lembro bem, foi numa chuvosa manhã de junho – levantou a voz e disse, com a maior naturalidade:
-- “Geraldo, vou para a minha Botânica...”
, como Diretor do Instituto de Biologia, continuou a guiar meus passos e os dos demais Assistentes. Quantas e quantas vezes fui procurá-lo, à guiza de uma informação ou de um conselho ? Estava sempre atarefado, correndo de um pavimento para outro, numa velocidade impressionante para os seus quase setenta anos. Na maioria das vezes o surpreendi no laboratório, cuidando de suas plantas. Ao relembrar tal ocorrência, reproduzo como minhas as palavras de um dos seus biógrafos, o Padre JOSÉ PEREIRA : “Como conseguiu tantos armários de aço?   É imenso o acervo de plantas que ele e seus discípulos trouxeram e resguardaram. Os que se dedicam à sistemática sabem quão difícil é às vezes identificar um exemplar. Pois bem, apetecia-nos dizer que ele tinha faro de sistemata. Talvez seja um Philtanthus, exclamou um dia, e nós ficamos a esperar, convictos, até o aparecimento de flores, para comprovar”...
Continua o mesmo autor: “Depois de ouvir todo o pessoal, depois de atender os encargos da Diretoria do Instituto, depois de fechar as portas do edifício, ia para o herbário. Tomava a lupa e examinava todas as peças florais. Mandava buscar a “Flora” de MARTIUS, a Bíblia de todo o sistemata brasileiro, e ficava horas a fio” !
“Encantava-se e encantava-nos com a presença e persistência do grupinho que pretendia formar. Aos sábados e domingos era no herbário que ele vivia. Aos sábados, até 2 ou 3 horas da tarde. Aos domingos buscava as dunas, as montanhas secundárias dos subúrbios de Salvador ou as caatingas e matas de algum município interiorano”.
“ALEXANDRE – afirma o Prof. GALENO MAGALHÃES – é o mestre consagrado. Com modéstia mas com perseverança, idealismo e acendrado espírito de estudioso, ofereceu à mocidade tudo o que de melhor a ela poderia ofertar. Para aumentar seus conhecimentos, excursionou pelo território nacional, herborizou o quanto permitiram seus afazeres cotidianos. As terras dos Estados de Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais e Bahia conheceram as solas de suas botas. Vem o incansável ALEXANDRE examinando minuciosamente as caatingas, os chapadões e o remanescente de nossas florestas”.
Na qualidade de membro fundador da Sociedade Baiana de História Natural - informa a citada fonte - andou palmilhando o território baiano, das dunas de Itapoã à Chapada  Diamantina, das caatingas de Juazeiro até Morro do Chapéu, Jacobina e Miguel Calmon. Seus companheiros eram os mesmos de sempre, isto é, o Padre Torrend, Jonas Seabra, Moreira Pinto, Narciso Soares da Cunha e outros afeiçoados da Botânica. Ele próprio comentava, dizendo: - !Continuamos em estreita e proveitosa convivência, lado a lado, trocando idéias, esmiuçando planos, desfazendo dúvidas, suave e despretensiosamente vagueando pelos caminhos da Scientia amabilis
Durante anos, disse o Prof. GALENO MAGALHÃES, “o Professor ALEXANDRE viu chegar a claridade da aurora, gastando horas da noite na leitura de livros escritos pelos mestres maiores da Ciência de CAROLUS LINEUS, preferindo-os no original e para tanto se familiarizou com o latim e o alemão”.
No seu último ano de vida teve ALEXANDRE, segundo o Padre JOSÉ PEREIRA, muitas alegrias. Primeiro, viu seu nome, em homenagem sincera e justa de alunos e docentes, inscrito em placa de bronze no dia do seu aniversário (quem diria, o último). Segundo, reencontrou espécimens completos de cactáceas  ( salvadorensis  e bahiensis )  que colecionadores estrangeiros haviam mencionado. Encontrou também um  Peireskia, espécie igualmente autóctone, descrita por alguns estudiosos. Quando foi a Pojuca – continua o Padre JOSÉ PEREIRAem demanda de uma composta ou de uma borraginácea que diziam ser causadora de anomalia patológica, encontrou um  Anthogeros , que talvez seja uma das plantas  mais antigas da atualidade. Indo com a Dra. GRAZIELA BARROSO, e outros, ao interior, encontrou o fruto de um cactus que tanto procurava e uma Aracea  que será  descrita pela referida cientista com o nome de Philodendron leal costae , por expressa decisão de sua descobridora. Terceiro, teve a honra de proferir o discurso oficial dos festejos que assinalaram o centenário do Padre Torrend. O maior colecionador de mixomicetos em todo o mundo foi o Padre Torrend o qual, como dissemos, desempenhou o papel de guia científico e espiritual de ALEXANDRE. Iniciando sua memorável conferência, disse LEAL COSTA: “ A honra com que fui distinguido, dentre tantos amigos e discípulos do Padre Torrend para  vir hoje aqui, no dia em que se comemora o seu nascimento, falar sobre sua singular personalidade, prende-se, sem dúvida, a convicção dos que assim deliberaram, de que deva conhecê-la de perto, dado os estreitos laços de filial amizade que a ele me uniram mais de quarenta anos de ininterrupta convivência”.
Recordo com emoção o seu interesse pelo grande ideal da minha vida. Com que paciência me convidava para uma palestra a fim de indagar algum pormenor da futura UNIVERSIDADE DE FEIRA DE SANTANA ( hoje, pela Graça de Deus, uma palpitante realidade ) ! Sua estrutura, seus cursos, os currículos, seus candidatos a professores, seus instrumentos normativos, tudo enfim não escapava ao interesse do grande educador. Com que saudades me recordo das suas recomendações e dos seus conselhos, dos erros que, segundo ele, eu não deveria cometer, quer no projeto, quer na implantação. Conselhos de mestre querido e também de Presidente do Conselho Estadual de Educação !  Com que saudade evoco sua constante presença às reuniões preparatórias e aos debates, quer em Feira, quer em Salvador, quer em Brasília ! Com que preocupação ele me orientava nos momentos mais difíceis, receoso que eu desanimasse diante de tantos obstáculos. Será que um deles, poderia matar no nascedouro a futura Universidade pela qual lutei, com outros abnegados companheiros, durante mais de vinte anos ?  Quantas e quantas vezes me acompanhou ao Conselho Federal de Educação, à Câmara dos Deputados, ao Senado da República e ao Ministério da Educação !
Quis o destino que a morte o levasse quase no mesmo dia em que o plenário do Conselho Federal de Educação aprovou a autorização para  o funcionamento da nova Universidade. Triste coincidência que me furtou o grato prazer de um abraço tão sincero. Triste evento que impediu que o mestre querido visse o seu discípulo investido no cargo de primeiro Reitor da nova instituição a qual, ao longo de tantos e tantos anos, tem dado a Feira de Santana e ao Brasil advogados, odontólogos, engenheiros, enfermeiros e tantos e tantos outros profissionais, verdadeiros baluartes da mudança cultural de uma imensa região ! Como ele se sentiria feliz !  Descanse em paz, mestre querido,  a Universidade Estadual de Feira de Santana não desmerecerá seus conselhos e recomendações !!!
Aqui, nesta Academia de Medicina,ocupou, desde a fundação, a cadeira cujo patrono é o Pof. MANOEL AUGUSTO PIRAJÁ DA SILVA. Sua contribuição está comprovada nas diversas conferências que proferiu, todas elas enriquecidas pela fluidez da sua palavra, pela segurança de seus conhecimentos e pela objetividade dos temas, todos eles dirigidos para a patologia regional. Os discursos e os debates que alimentou, constituem peças magníficas de cultura, inteligência e bom senso. O campo imenso das Ciências Biológicas e Naturais foi por ele cultivado, com brilho invulgar, nos bancos deste sodalício que hoje se reúne para reverenciá-lo.
Imortal ele é, para glória da Medicina baiana e para exemplo das gerações do futuro.
Terminando a belíssima oração que proferiu durante a missa encomendada pelo Governo do Estado, pela Universidade Federal da Bahia, por outras instituições e por seus amigos, no sétimo dia do falecimento de ALEXANDRE LEAL COSTA, disse o Padre JOSÉ PEREIRA: “Professor emérito.  Amigo sem jaça.  Pai extremoso.  Médico bom.  Cultor das Ciências em todos os seus ramos.  Adepto do bom dizer e do bem querer. Ainda teve tempo de, na convalescença de terrível moléstia que o assaltou no segundo semestre de 1975, traduzir um trabalho de ULE sobre as caatingas da Bahia. Praza a Deus que os apontamentos ou a tradução não se tenham perdido ou deteriorado com as andanças motivadas pela doença. O mesmo se diga da monografia que escreveu sobre nossas cactáceas e bromeliáceas”.
As minhas últimas palavras são as mesmas de todos quantos o conheceram e admiraram. ALEXANDRE LEAL COSTA deixou em todos nós marcas indeléveis de sua presença, frutos opíparos de sua convivência, de sua modéstia e de sua cultura. Adorável criatura foi ele: mestre e amigo, sábio e humilde, tímido e introvertido. Humano, profundamente humano, até o fundo do coração. Deus o tenha no Seu aconchego, confrade inesquecível, honra e glória desta Academia. Você partiu apressado como sempre mas continuará vivo, bem vivo, na nossa memória. Você se foi, você desapareceu quando menos esperávamos, deixando em cada um de nós uma saudade profunda, uma eterna lembrança ...












Nenhum comentário:

Postar um comentário